Quando se pensa em adestramento canino, muitas pessoas associam a “dar um petisco caso o cão faça algo certo”, mas educar um cachorro exige muito mais do que o popular “reforço positivo” ou “punição”. Para cada tipo de treinamento existe uma série de equipamentos e acessórios que auxiliam o adestrador a ensinar o animal a executar determinados comandos, partindo dos mais simples, como sentar, deitar e andar junto durante um passeio.
Contudo, como reforça o adestrador comportamental André Almeida, não são apenas esses acessórios que fazem um bom treinador de cães, é preciso também saber para que serve cada um deles e, o mais importante, a forma correta de usar.
Antes de começar a treinar um animal, o adestrador ou o tutor também precisarão de treinamento para que utilizem cada equipamento da melhor maneira possível, sem causar danos aos animais, sejam eles físicos ou psicológicos.
Entendendo os equipamentos
Muitos equipamentos utilizados para o treinamento canino são mal vistos, seja por aparentarem agredir o animal, ou mesmo pelo nome como são conhecidos, como o enforcador, por exemplo. André reforça que o que faz mal ao animal não é, de forma alguma, o equipamento utilizado, mas o uso incorreto deste. Muitos tutores recorrem a um profissional apenas quando o cão já adquiriu um comportamento indevido.
"O que mais faz mal para o cão é o mau uso desses equipamentos. Em nossa profissão nós focamos, inicialmente, em solucionar problemas que podem gerar outros problemas maiores para o cão e para o tutor", conta.
Geralmente os problemas relacionados aos equipamentos estão baseados em treinamentos mal feitos, muito também se deve às formas erradas de apresentá-los. “Por isso é sempre necessária uma preparação antes do treinamento. Desde sistema de alimentação, apresentação de equipamento e controle de ambiente para só então começarmos a usar os equipamentos para ajudar no dia a dia”, orienta o adestrador.
Punidores e reforçadores de comportamento
O reforço positivo e reforço negativo geralmente são entendidos de maneira equivocada existindo a punição negativa e punição positiva. Pessoas leigas compreendem que “positivo” é bom e “negativo” é ruim, o que está errado. Positivo é quando se acrescenta algo e negativo é quando se retira, de acordo com o contexto da situação.
"Quando se fala em reforço positivo é acrescentar algo bom para o animal, o que fará a frequência de determinado comportamento aumentar. Já o reforço negativo é a retirada de algo ruim ou aversivo para aquele individuo, que também fará com que o comportamento aumente", pontua o adestrador.
Quando se fala em punição positiva é adicionar algo ruim ou aversivo, um simples 'não' já é uma punição positiva, pois o tutor acrescenta uma bronca, fazendo com que aquele comportamento pare. A punição negativa é a retirada de algo bom, como, por exemplo, em um treinamento em que se fará o uso de petiscos. A simples ação de não entregar o petisco para o cão já será uma punição negativa.
É importante ressaltar sobre isso para que se possa entender o que fará o aumento ou diminuição de um determinado comportamento de acordo com o contexto.
Apresentando os equipamentos
Os equipamentos variam de acordo com a fase da vida do pet. Geralmente, quando o cão chega ao novo lar, já com o ciclo de vacinação completo, é feita a preparação para que ele vá para a rua. Comumente, quando os tutores optam por chamar um profissional, já é para resolver um problema, por isso é necessário que se pense nisso desde o começo.
Colete peitoral: pode ser encontrado em diversos tamanhos e materiais, para cães de todos os portes. O acessório passa pela parte da frente do peito do cão , por baixo das patas e possui uma alça para um maior controle. Em modelos menores, é necessário atenção ao realizar os ajustes ou o cão poderá escapar.
Para cada modalidade de treinamento e porte de cachorro há um modelo de peitoral adequado, para que o animal não escape e tenha o conforto necessário.
"Quando chegamos na parte do peitoral, nós pensamos em utilizar esse equipamento para que seja melhor para o cachorro, pois não maltrata o animal e ele tem um pouco mais de conforto durante o passeio. Quando isso começa a falhar, é preciso entender que este equipamento também causa pressão na traqueia do cão. As pessoas se confundem, ao achar que apenas coleiras e enforcadores causam esse desconforto, devido ao puxar do próprio cão", alerta o adestrador.
Peitoral anti-puxão: quando o peitoral comum começa a falhar, as pessoas optam pelo uso desse modelo, que é uma alternativa ao peitoral comum. O anti-puxão não possui algumas partes do modelo padrão, com a guia ficando presa pela parte da frente do equipamento, fazendo com que o animal pare de puxar por alguns instantes.
De acordo com André, o maior engano dos tutores ao comprar um enforcador qualquer é achar que o problema do animal ao puxar durante o passeio está relacionado ao equipamento, mas isso diz muito mais sobre o que o cão tem naquele momento. É como se ele fosse para algum evento de que gosta ou algo que o reforce para aquele comportamento. Por isso, quanto mais conforto ele tenha com o equipamento usado, mais ele irá puxar. Nesses casos, não está se trabalhando o comportamento do pet, mas realiza apenas uma contenção.
“É como se estivéssemos realizando um cabo de guerra com o cachorro, mas se depois de alguns minutos ele já consegue o que quer, ele adquire aquele comportamento como algo bom, aprendendo que aquela forma de locomoção é o jeito certo para ele chegar onde deseja, então continuará sempre puxando e dando trabalho” explica.
Enforcadores: alguns modelos antigos são feitos com correntes, mas os mais comuns atualmente são os de corda, também conhecidos como "fita". O comprimento varia de acordo com o porte do animal no qual será usado.
Atenção ao tamanho: a medida do enforcador é feita de uma extremidade à outra, então lembre-se de que o mesmo será dobrado, perdendo alguns centímetros. Alguns modelos possuem uma bolinha de ajuste para cada porte de cão, não sendo necessário comprar um para cada pet, por exemplo.
A "bolinha de ajuste" também funciona como um indicador para o lado em que o animal estará durante o passeio, caso ele vá ao lado direito do condutor, a bolinha ficará para o lado direito e o mesmo vale para o lado esquerdo, isso proporcionará um maior controle para o condutor e mais conforto ao cão. Em equipamentos sem esse acessório também é possível, mas será necessário um pouco mais de atenção.
Muitos tutores compram um enforcador pensando que isso resolve o problema do cachorro porque agora ele está se enforcando, mas não é assim que funciona. Na verdade, isso dependerá sempre do que o animal tem em cada situação. Muitas vezes a resistência dele aumenta e, sem perceber, ele pode acabar se machucando ou se engasgando.
“Há casos de pessoas que fazem esse tipo de passeio logo após a alimentação do animal, aí ele começa a salivar e, conforme ele puxa, pode faltar ar e ele ‘tentará vomitar’ para aliviar e nem isso conseguirá fazer, pois o equipamento o trava. Este problema não está no equipamento, mas no uso incorreto devido à inexperiência do condutor”, explica.
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Coleiras: são diversos os modelos e larguras de coleiras, as mais largas geralmente são mais confortáveis e podem ser utilizadas em trabalhos de proteção, junto ao peitoral.
Guias: são presas à coleira ou peitoral, para que não cause desconforto ao animal e ele se mantenha focado à atividade do treino. Guias curtas com alça mosquetão são usadas em cães que já tenham um bom nível de treinamento, mas que ainda dão um pouco mais de trabalho em determinadas situações ou em passeios em locais mais movimentados, onde o cão não terá muito espaço para se distanciar do condutor. Ao chegar em locais mais abertos, como parques, deve ser realizada a troca do equipamento, ou caso o pet possa ficar solto, essa guia facilitará o manuseio.
Guia cabresto: esta é utilizada para um maior controle da cabeça do animal, muitos cães não precisam, mas em casos de necessidade será utilizada para tirar o foco do cão de tudo o que não for necessário no momento. Segundo o adestrador, esta é uma das que mais geram problemas. "O cão puxa e aquilo também causa uma torção, assim como o peitoral anti-puxão, então é bom que os tutores tomem bastante cuidado com isso", alerta.
Enforcador Belga: ajustável ao tamanho do animal, pode ser com ou sem engate rápido. Caso tenha apenas um animal, o mais indicado é o modelo sem esse engate. Também conhecido como “semi-enforcador”, o equipamento é ajustado aberto ao cão, com um espaço que limita os movimentos, gerando mais ou menos desconforto. Se usado fechado, funcionará como uma coleira comum.
"Lembrando que, quanto mais desconforto o indivíduo sentir, menos ele entrará em determinado tipo de situação. A ideia não é causar esse desconforto, por isso, caso tenha tal desconforto, o cão tende a diminuir esse comportamento. Por este motivo são utilizados equipamentos para isso, mas não basta usá-los, é preciso treino também para o condutor do animal.
Cinto de passeio: usado pelo próprio condutor, geralmente por baixo de um colete, possui algumas argolas por onde poderão ser presas as guias - caso se passeie com mais de um animal ao mesmo tempo - e uma trava de segurança. Este equipamento é ideal para que se possa passear com os cães e, ao mesmo tempo, manter as duas mãos livres. São ideais para quem faz atividades como correr com o cachorro.
Focinheiras: também disponíveis em diversos modelos, tamanhos e materiais. O ideal é colocar uma focinheira com espaço suficiente para que o cão possa abrir a boca para respirar, este equipamento é usado apenas para impedir que ele abra a boca o bastante para morder alguém ou outros animais. As focinheiras devem ter um tamanho confortável com espaço para que o animal consiga beber água utilizando o acessório.
Cães que apresentem alguma agressividade precisam usar a focinheira, independente da raça ou porte. As leis variam dependendo da região, por isso é importante pesquisar de acordo com cada cidade.
"Muitos clientes fazem 'cara feia' quando falamos que o cão precisará usar a focinheira, mas um equipamento bem socializado terá o mesmo efeito que uma guia. O cão associará a focinheira a alguma atividade prazerosa, como o passeio, e não se incomodará ao utilizar", explica.
Focinheira de combate: feita para trabalho com cães de proteção ou animais que apresentem mais problemas. Apesar de ter uma aparência mais "fechada", também deve ter espaço o bastante para que o cão consiga abrir a boca e tomar água sem que seja necessário retirar o equipamento.
O adestrador explica que todos os equipamentos - exceto a focinheira - de alguma forma, fazem mal ao cão. "Causam esmagamento de traqueia, além de vários traumas que podem ser causadas ao cão pelo mau uso do equipamento e quando o animal não está preparado para a situação que lhe será apresentada no dia a dia".
Colar de pinos ou colar de garras: apesar da aparência, este equipamento não causa danos ao animal. É utilizado, geralmente, para o treinamento de cães de serviço e funciona como um estímulo de comportamento. Os "espinhos" possuem pontas arredondadas e seu uso gera estímulo para o animal. "Quando fazemos o uso deste equipamento em um cão de trabalho, ele não fica travado causando desconforto ou dor, mas gera um estímulo de comportamento", exemplifica o adestrador.
"É um bom equipamento, com uma apresentação ruim. Algumas pessoas utilizam para inibir que o cão puxe durante o passeio, causando dor ao animal, mas esse uso está errado", diz o adestrador, que alerta para que o tutor não compre este tipo de equipamento se não souber usar ou caso o cão não esteja preparado para o mesmo. "Com o uso correto, apenas o barulho gerado pela guia já deixará o cão feliz, pois ele o associará a algo bom, sabendo que irá treinar ou sairá para um passeio", ressalta.
Colar eletrônico: popularmente conhecido como "coleira de choque", o que não é verdade. No entanto, quando a pessoa não sabe utilizar, ela poderá colocar uma intensidade maior do que a necessária. "Esse equipamento realiza um estímulo semelhante ao da fisioterapia. Dependendo do nível em que está, pode causar cócegas, formigamento ou contração muscular", exemplifica. O colar eletrônico não é para ser usado como punição.
"Este equipamento é caro, por isso não é comprado para situações do dia a dia, então muitos optam por acessórios mais baratos, que não contam com a mesma tecnologia e que causam dor ao cão. O problema está no uso errado de um equipamento inadequado", explica, ressaltando que o colar eletrônico é um dos que menos causa desconforto aos cães durante os treinamentos e também é o mais eficiente.
Colar eletrônico "barato": apesar de ser mais simples que o outro modelo, não significa que o uso deste equipamento seja "inútil" ou esteja sempre errado. Ele possui níveis mais acentuados, sendo muito baixo nos níveis mais baixos e muito alto nos níveis mais altos, o que não o torna adequado para modelagem de comportamento, devido à falta de controle de precisão.
Clicker: é um marcador de comportamentos, geralmente é o primeiro equipamento usado em treinamentos para cães. "Ainda hoje o clicker é compreendido e utilizado de uma forma errada, até mesmo por adestradores", conta André. "Eles não usam para marcar comportamentos, mas para marcar recompensas. Nesse caso, talvez seja melhor nem utilizar", afirma.
O acessório possibilita marcar um comportamento do cão no exato momento em que ele acontece, com isso ele saberá que está fazendo o desejado, associando positivamente o som (o 'clique') do acessório, que também pode ser usado em conjunto com diversos outros equipamentos. "É com ele que ensinamos o cão a andar junto nos passeios, com ele o cão sabe que está fazendo algo certo e se sente recompensado", explica.
Cerca eletrônica automática ou cerca invisível: quando está em funcionamento, é colocada no local determinado e quando o cão se aproxima muito do local em que o aparelho está, a coleira ocasionará um certo desconforto. "Esse desconforto pode ser de fraco a forte, dependendo do indivíduo. Quando o cão não está preparado para esse uso, ele pode se assustar ou sentir dor", alerta.
André Almeida alerta que antes de utilizar qualquer tipo de equipamento, o tutor deve pensar se aquilo é realmente necessário e quais benefícios ele trará ao animal. “Estes equipamentos não devem ser utilizados como ‘atalho’ para conseguir que o cão desempenhe comportamentos desejados”, afirma.
É sempre mais recomendado recorrer a um profissional e garantir um adestramento correto para o animal. "Nem sempre só recompensar o pet com carinhos e petiscos será eficaz, e nenhum equipamento é usado para causar dor e maus-tratos aos animais, como algumas pessoas podem encarar por falta de informação", finaliza.
Para entender melhor cada item mencionado e seu funcionamento, confira o vídeo: