Muito se fala sobre o adestramento comportamental canino e no bem que esse tipo de trabalho pode proporcionar para a vida do pet e a relação com o tutor, mas pouco se fala sobre o adestramento comportamental quando se trata dos felinos domésticos. Geralmente, quando se fala em treinar gatos, está ligado ao uso de caixa de areia ou fazer as necessidades em certos lugares.
Mas é possível ensinar truques aos gatinhos de estimação que podem facilitar, e muito, a vida dos tutores dos bichanos e tornar o dia a dia desses pets muito menos estressante e mais tranquila. É possível, por exemplo, ensinar o gato a entrar na caixa de transporte para quando for levá-lo para a consulta com o veterinário.
Para entender como funciona o processo de adestramento comportamental para gatos, o Canal do Pet conversou com a médica veterinária Cintia Pinheiro, que é especialista no assunto.
Ensinando truques aos felinos
O treino de comandos para os gatos não só é possível, como pode ser bastante funcional. O tutor pode, por exemplo, ensinar ao pet comandos específicos para que ele entre na caixa de transporte para leva-lo ao veterinário, o que reduzirá muito o estresse para ambos, pet e tutor.
“O treinamento de comandos é um aliado quando ensinado desde filhote e quando ensinado depois de adulto, com o intuito de melhorar um comportamento específico”, diz a especialista em comportamento animal.
Segundo explica a veterinária, o processo de aprendizagem e memória é similar em cães e gatos, porém o treinamento de comandos é somente um dos pilares da terapia comportamental, a modificação comportamental.
Essa terapia é composta por três elementos básicos: pelo manejo ambiental, pela modificação comportamental e pela psicofarmacoterapia (uso de medicamentos).
“Como os gatos passam grande parte da vida em ambientes restritos, geralmente sem acesso ao meio exterior, o manejo adequado do ambiente na terapia comportamental, adaptado conforme as necessidades da espécie e do indivíduo, tem um papel essencial na melhora de um comportamento”, explica Cintia.
Existe uma raça “mais fácil”?
No caso dos cães, existe um conceito falso de que certas raças são mais inteligentes do que outras, ou mais fáceis de adestrar, com os gatos o mesmo não existe – o que também não deveria valer para os cães.
“Todo animal é único. Cuidar da saúde física e emocional dos nossos animais de estimação, independente da raça, é um privilégio e uma responsabilidade em todas as fases da vida do animal”, diz a veterinária.
A medicina veterinária comportamental é uma ciência multidisciplinar que avalia o ambiente que o animal vive, suas experiências e seu comportamento.
“A terapia comportamental é realizada individualmente, tornando o processo mais adequado para aquele animal em questão. Portanto, o nível de dificuldade de uma mudança comportamental não está diretamente relacionado com a raça e sim, com a gravidade do problema que aquele animal apresenta”, explica.
A especialista alerta que muitos problemas de comportamento podem ser causados ou piorados por punições inadequadas ou excessivas. “Na verdade, uma situação positiva pode ser transformada em uma situação negativa e desagradável simplesmente pela punição”, diz.
Por exemplo, se o gato é punido quando começa a conhecer o bebê, seja por meio de broncas verbais ou físicas (punição positiva), é provável que o pet faça associações negativas com o bebê.
Quando os animais de estimação são punidos por comportamentos que consideramos indesejáveis, eles se tornam mais medrosos diante de situações, de pessoas ou outros animais que encontrarão no futuro. Portanto, a punição não deve ser usada para corrigir um comportamento indesejável.
“A punição se concentra em impedir o indesejável, mas não ensina o que é desejável. Acalmar o animal de estimação e reforçar o comportamento desejável (reforço positivo) ensina o animal de estimação como se comportar bem naquela situação e que cada nova exposição pode ter um resultado positivo”, afirma.
Acessórios que podem ajudar
Para os felinos, geralmente, são utilizados reforços positivos que podem incluir petiscos, alimentos úmidos, brinquedos que estimulam o comportamento predatório dos gatos, entre outros.
“Também podemos utilizar outras ferramentas úteis para treinamento como o clicker (também utilizado em cães), o target (objeto que o treinador pode utilizar como referência para o animal seguir), feromônios sintéticos, caixa de transporte e peitoral de passeio, dependendo do comportamento a ser trabalhado”, ressalta.
A veterinária explica que diversos comandos podem ser úteis para cães e gatos. “Para os felinos, especialmente o ‘senta’ para iniciar a escovação dos pelos, dos dentes ou administrar medicamentos é muito bem-vindo. O ‘dá a pata’ para o treinamento do corte de unhas e o ‘na caixa’ para entrar na caixa de transporte também podem ajudar em situações específicas”.
O que fazer por um gato que chegou assustado?
Adotar um gato é algo recompensador, mas as primeiras 24 horas em uma nova casa podem ser estressantes para o felino. Oferecer um espaço adequado para atender as necessidades ambientais, apresentações graduais e cuidadosas podem reduzir muito os níveis de ansiedade.
“O tutor não deve sobrecarregar o gatinho com muitas experiências novas e estimulantes quando eles chegam em casa. Pelo menos no primeiro dia, possivelmente mais, a depender do gato, é recomendado que eles fiquem em um cômodo silencioso para reduzir o estresse”, ensina a especialista.
Os gatos são naturalmente territoriais e as introduções com outros gatos não devem ser feitas imediatamente. “Às vezes, pode levar semanas ou meses para que os gatos que recém-adotados se integrem totalmente. Nos primeiros dias, é melhor mantê-los separados antes que as introduções graduais comecem”, completa.
O tempo de terapia comportamental é variável, dependendo da dedicação do tutor, do tempo de aprendizagem do animal e da gravidade do problema em questão. Não se deve ter pressa para ensinar truques ou adequar o pet às novas situações, é preciso paciência e sempre respeitar o tempo do animal.