A síndrome da dilatação vólvulo-gástrica (DVG), popularmente conhecida como torção gástrica , é um problema que pode afetar cães de todos os portes, idades e raças, porém, é muito mais recorrente em cães de grande porte, especialmente aqueles com idade mais avançada e com dieta baseada em alimentos secos e gordurosos.
O problema ocorre quando o estômago do cachorro gira na cavidade abdominal, momento em que os ligamentos de sustentação do órgão se rompem em virtude da dilatação. Dessa forma, a entrada e saída do estômago ficam obstruídas, impedindo a passagem de alimentos, água e dos gases – o que causa o inchaço.
Meu cachorro quase morreu
Rosana Duda da Costa, de Cotia, interior de São Paulo, passou por um grande susto recentemente, depois que seu cachorro Nenê, de 14 anos, sofreu uma torção gástrica que quase o levou ao óbito.
Ao Canal do Pet , ela conta como percebeu os primeiros sinais e as dificuldades para se descobrir qual era o real problema de seu pet, um cão sem raça definida (SRD) de porte grande.
Segundo ela, a situação se complicou ainda mais devido aos enganos de profissionais que não souberam identifiar a doença de maneira correta, o que a fez levar o animal para quatro clinicas diferentes - o que poderia ter custado a vida de Nenê, já que uma torção gástrica pode levar o animal à morte entre 6 e 12 horas.
A tutora conta que, naquela manhã, não havia nada que indicasse qualquer problemas na saúde do cachorro. “Ele estava seguindo a rotina, nada fora do comum. Minha mãe costuma acordar cedo e trocar a água dele por volta das 8h. Às 10h ela coloca a ração, que é própria para cães de porte grande. Nesse dia, ele não comeu”, conta.
“Minha mãe notou que, nesse dia, ele apenas cheirou a comida e não quis. Até ali, ela não viu problema, pensou que depois ele comeria.”
O que causa a torção gástrica?
A torção pode ser resultado de uma alimentação exagerada — quando o pet come rápido demais — ou oferecida de maneira errada. Outro ponto que merece atenção é que o tutor jamais deve permitir que o cão faça esforço físico logo após as refeições ou ao ingerir uma grande quantidade de água. Isso pode fazer com que o estômago gire e comece a dilatar.
No caso de Nenê, Rosana diz que não se sabe ao certo o que causou o problema, mas suspeita que tenha sido o modo como o pet se alimentava e se hidrata, pois os recipientes de ração e água ficam lado a lado.
“Em casa, sempre colocamos a ração com a água ao lado. Vejo todo mundo fazendo isso, nunca imaginei que não poderia”, diz a tutora. Porém, “a veterinária que o socorreu não soube dizer se a torção foi causada por sua idade já avançada.”
A médica-veterinária Aline Machado De Zoppa, especialista em cirurgia veterinária e conselheira da UniFAJ, esclarece que, na verdade, não é um problema que os utensílios do pet fiquem próximos. "A recomendação em cães de raças predispostas é alimentá-los mais de uma vez ao dia, para não ingerirem volume acentuado de uma só vez."
Percebendo os sinais
Ao notar os primeiros sinais, a família imediatamente buscou ajuda profissional, no entanto, apenas após a visita a quatro profissionais diferentes e exames pouco eficazes, o problema foi finalmente identificado de maneira precisa e o animal levado para cirurgia. O que, por pouco, salvou sua vida.
“Às 14h eu estava trabalhando, quando escutei o cachorro tossir. Nunca tinha visto [ele tossindo], então me assustei”, lembra Rosana. “Meus pais também correram para vê-lo, e minha mãe gritou, dizendo que o Nenê estava morrendo. Eu só peguei minha bolsa com documentos, o colocamos no carro e fomos ao veterinário, que fica a 15 minutos da minha casa.”
A tutora conta que, nesse momento, o cão estava com a barriga bastante inchada, dificuldade para respirar, focinho roxo e salivação excessiva (babando muito). “Era visível que ele estava sufocando”, lembra.
Ao chegar à primeira clínica, Nenê foi imediatamente levado para atendimento, porém, seu problema não foi tratado da forma correta. “A veterinária aplicou uma injeção de glicose e outra de broncodilatador, mas ele [Nenê] não mostrava nenhuma reação. A veterinária acreditou que ele não sobreviveria”, conta Rosana.
“Como nós não sabíamos o que era, a veterinária fez algumas perguntas, como se ele havia sofrido alguma queda, ou qualquer outro fator fora do comum”, diz Rosana. “A princípio, como eu nunca tinha visto nada parecido, imaginei que fosse envenenamento ou picada de cobra, especialmente pelo inchaço.”
Aos poucos, o cachorro apresentou uma leve melhora e a hipótese de envenenamento foi descartada. Então, foi pedido que o animal fizesse alguns exames de imagem, como ultrassom e radiografia.
“Como a barriga estava muito inchada, esses exames não conseguiram apresentar nenhum diagnóstico satisfatório, e a veterinária não soube dizer o que era”, diz Rosana.
Rosana lembra que, naquele momento, chegou outra veterinária (do mesmo consultório) mais experiente e apontou a possibilidade de ser uma torção gástrica, e recomendou que levassem o cachorro até um hospital em Osasco (SP), no qual poderia receber o tratamento adequado. “Como a barriga começou a desinchar um pouco, e ele já conseguia andar normalmente, imaginamos que tinha sido apenas um susto e o levamos de volta para casa”, conta.
Erros médicos e falhas no diagnóstico
Aline Machado aponta que, levando em consideração as caracteristicas do animal e os sintomas apresentados, a torção gástrica deve ser considerada de imediato.
"O diagnóstico de torção gástrica passa pela identificação do paciente. As raças de porte grande e gigante são mais predispostas, além de cães que se alimentam apenas uma vez ao dia", aponta Aline ao Canal do Pet .
"Quando recebemos um paciente deste fenótipo, com os sintomas mencionados, devemos sempre descartar a possibilidade de uma torção gástrica — que deve ser investigada antes de se cogitar outros problemas."
Ela diz que "o abdômen aumentado e abaulado é característico de alteração como a dilatação/torção gástrica".
"Quando torcidos, dificilmente diminuem de volume. Nas torções parciais, podem diminuir após manobras de esvaziamento, como gastrocentese ou passagem de sonda orogástrica", explica a veterinária.
"A distensão acentuada do abdômen causa a distrição respiratória e consequentemente a cianose do paciente. É por isso que preconiza-se a descompressão imediata como parte do tratamento emergencial."
A veterinária acrescenta que a aplicação dos medicamentos — glicose e broncodilatador — não tiveram nenhum efeito positivo no paciente. "Ele precisaria de fluidoterapia em volume elevado, analgésico e sedação para passagem da sonda orogástrica", explica.
Tudo voltou a piorar
Rosana lembra que às 18h, Nenê voltou a passar mal. Às 20h voltou a tossir e choramingava, devido às fortes dores. Nesse momento, foram a um hospital 24 horas. Ao chegar lá, o veterinário que o examinou disse que se tratava de uma torção gástrica e que o cachorro precisava de cirurgia com urgência, ou viria a óbito.
“Quando chegamos ao hospital, Nenê foi direto para a emergência, os veterinários rapidamente o socorrerem, mediram a pressão, colocaram soro, tiraram o gás da barriga com seringas e subiram para a sala de raio x e ultrassom. Mesmo removendo o ar do estômago, ele inchava de novo”, lembra a tutora.
“Nos foi avisado que ele corria sério risco de morrer na mesa de cirurgia. A pressão estava muito baixa. Eles medicaram o cachorro às 21h30, a cirurgia começou 1h, se encerrando às 5h”, relembra. “Me ligaram para avisar, mas eu só poderia visitá-lo 24 horas depois.”
Diferentes níveis de torção gástrica e uma experiência de quase morte
“A veterinária [que realizou a cirurgia] me informou que o meu caso pode ter sido uma ‘torção parcial’”, conta Rosana. “Por isso que ele [Nenê] tinha pequenas melhoras, e voltava a piorar conforme se movimentava. Se fosse uma torção total, ele não teria aguentado tanto tempo.”
A tutora recorda de um momento em que o pet desmaiou e ficou com “os olhos revirados”, parando de respirar por alguns momentos e com a pulsação tão fraca que acreditaram que seu coração havia parado.
“Nós o cobrimos e deixamos para retirar o corpo e enterrar pela manhã. Pensamos que ele linha morrido, choramos muito”, conta Rosana. Porém, ela ressalta, que após cerca de 30 minutos, avistaram Nenê andando pelo quintal.
“Foi nessa hora que eu falei para os meus pais: ‘não vou deixar esse cachorro agonizar a madrugada inteira, chega de sofrimento’. Chamei o meu irmão e fui procurar socorro. Nós fomos a quatro hospitais diferentes, até conseguirmos o que era necessário.”
O que é torção gástrica parcial?
"A torção gástrica pode ocorrer de 0 a 360 graus, com o estômago rotacionando em torno de seu próprio eixo. Conforme a severidade da torção, ela pode ter uma apresentação total (360º) ou parcial", explica Aline Machado.
Ela complementa: "Por isso que a manobra de passagem de sonda orogástrica auxilia no reconhecimento dos tipos de torção (permitindo ou não a passagem da sonda)."
Os cuidados para a recuperação
“Os pontos da cirurgia inflamaram e ele precisou tomar injeções de anti-inflamatório e antibióticos por 10 dias. Os pontos foram retirados cerca de um mês depois, devido a seriedade da cirurgia, que chegou a remover o baço. A recuperação total ainda leva um tempo e são feitos mais exames, para verificar como está a recuperação interna”, explica a tutora, acrescentando que, durante a recuperação, o animal come apenas ração úmida e, somente após a retirada dos pontos, a ração seca deve ser reintegrada aos poucos.
Os custos da operação e ajuda financeira
Todo o tratamento, desde as consultas até a cirurgia, chegou ao valor de R$ 15 mil. O que é um grande impacto no orçamento da grande maioria das pessoas.
“Quando eu o levei para o hospital, eu imaginei que tudo chegaria ao máximo de R$ 4 ou R$ 5 mil. Conversei com alguns amigos veterinários e pesquisei o valor da cirurgia, vi valores que variavam de R$ 2 a R$ 3 mil. Imaginei que focaria mais caro, devido ao horário”, afirma Rosana.
Porém, quando recebeu a conta, a tutora conta que tomou um grande susto. “Todo o procedimento, incluindo os primeiros socorros, a cirurgia e a internação de três dias, ficou no valor de R$ 9,7 mil.”
Rosana conta que foi informada também sobre a possibilidade de sacrificar seu animal de estimação, o que ficaria em torno de R$ 4 mil, somando consultas e exames.
“Se fosse para sacrificar o coitado, ficaria quase R$ 4 mil e, para que ele talvez tivesse uma chance de sobreviver, seria quase R$ 10 mil. Eu resolvi tentar, mesmo sem dinheiro, pois tive custos de quase R$ 3 mil nos atendimentos anteriores.”
A tutora conta o motivo de sua decisão: “Eu só lembrei que ele já está na família há 14 anos e, mesmo sem condições, eu daria um jeito. Foi quando tive a ideia da vaquinha. Eles só fazem a cirurgia quando você paga [antecipado], ou parcela no cartão. E foi o que eu fiz, parcelei em 12 vezes e no dia seguinte abri a vaquinha.”
“Nunca pensei que fazer uma vaquinha, nunca precisei, mas essa foi a solução para ajudar a salvar a vida dele. Estou na luta divulgando, o valor que arrecadei ainda é baixo comparado ao total, mas sigo lutando”
“A maioria das pessoas que ajudaram até agora são amigos, muita gente colaborou com pouco, mas de pouco em pouco eu acredito que alcançarei a meta”, completa Rosana.
Para quem desejar ajudar nos custos do tratamento de Nenê, a Vakinha pode ser acessada clicando aqui.
*O Canal do Pet tentou contato com a equipe veterinária que realizou a cirurgia, mas não obteve resposta até o fechamento desta matéria.
Conheça a comunidade do Canal do Pet no WhatsApp para receber dicas, curiosidades, histórias e tudo relacionado ao universo dos animais de estimação.