O adestrador André Almeida participa de sessão de treinamento de cães policiais
Reprodução/Du Drill Ranch
O adestrador André Almeida participa de sessão de treinamento de cães policiais

Quando se fala em adestramento ou treinamento canino, muitas pessoas podem pensar que tudo se limita a ensinar os mais diversos truques divertidos aos pets, ou mesmo educar o animalzinho para fazer as necessidades no local certo, a não pular nas visitas, entre outros comportamentos comuns do dia a dia do lar, mas vai muito além disso.

Dentro do treinamento canino existem diferentes modalidades, sendo três básicas conhecidas, que podemos chamar de positivista (que usa apenas reforços positivos), a mista (que faz o uso de positivos e aversivos) e a K-9 (os cães policiais, que exerce um treinamento mais rígido).

Existem algumas polêmicas envolvendo pessoas leigas e até mesmo entre os próprios adestradores sobre algumas práticas utilizadas entre esses métodos.

Dentro do positivista, por exemplo, existem aqueles que não aceitam o uso de qualquer tipo de punição aos comportamentos negativos – como será explicado mais a frente neste texto, a punição não significa maus-tratos aos animais.

Por que o treinamento 100% positivista causa polêmica?

Existem diferentes métodos de treinamento para cachorros, cada um tem uma finalidade específica
Rebecca Campbell/Insplash
Existem diferentes métodos de treinamento para cachorros, cada um tem uma finalidade específica

Em um artigo de autoria de um treinador de cães norte-americano, chamado Tyler Muto, ele afirma que o treinamento unicamente positivo (sem o uso de qualquer aversivo) não é totalmente eficaz e pode levar a consequências sérias, por não corrigir definitivamente certos comportamentos. O que, segundo ele, levaria a casos como os de animais abandonados ou até mortos, devido a comportamentos considerados inaceitáveis.

No artigo, Tyler chama o "positivismo extremo" de "assassino silencioso" e lembra de casos que conheceu em um fórum de cães que frequentava. Como o de uma mulher que estava com problemas com um cão rebelde e, após aconselhada por um adestrador positivista, preferiu optar pela eutanásia a fazer  o uso de uma coleira de pinos .

O autor chama esse pensamento de “Aversive Free” (Livre de Aversivo). Tyler menciona também casos de treinadores positivistas que “preferem a morte do animal a exercer qualquer punição em seu treinamento” – o artigo original pode ser lido  clicando aqui.

ATENÇÃO: a crítica se diz a respeito do “extremismo”, não se refere aos treinadores que se baseiam em métodos positivos, levando em consideração os embasamentos científicos. Os extremismos serão sempre negativos, seja para o positivo ou para o punitivo.

Entendendo o treinamento canino

O Canal do Pet conversou com o treinador André L. Almeida, especializado em adestramento comportamental canino, e o zootecnista Cláudio Fudimoto, especializado no  treinamento de cães de serviço, entre eles os K-9.

Os profissionais explicam que o uso de aversivos não significa, de modo algum, maltratar o animal.

“Primeiramente é importante que as pessoas entendam que no treinamento de cães quando utilizamos corretamente os quadrantes, que têm embasamento científico, ainda existem muitos mal-entendidos na interpretação”, começa André.

Os quadrantes são:  reforço positivo, reforço negativo, punição positiva e punição negativa.

“Lembrando que, na maioria das vezes, um dos quadrantes não é aplicado sem o outro em uma programação de treinamento. Por exemplo, se eu quero que o cão sente e não dou a recompensa para ele porque ele não o fez, eu já estou punindo negativamente este indivíduo, sendo assim, o positivo do adestramento não foi feito”, explica o treinador.

“Quando o cão me dá o comportamento que eu queria e eu entrego o prêmio para ele, foi feito um reforço positivo pontual ou, para um caso de um cão que pula, e eu nego a atenção para ele com o intuito de que ele coloque as patas no chão, eu fiz novamente uma punição negativa”, pontua.

A diferença entre o treinamento de um cão pet e o de um cão policial

A principal diferença, como explica Fudimoto, está na responsabilidade, não apenas do cão, mas também de seu condutor. Ao contrário do treinamento de um cão pet, que se tem certa margem para erros, o que é chamado de “adestramento positivista”.

“Nesse adestramento positivista os cães não recebem essa carga de responsabilidade, ou seja, quando eles erram, nada acontece”, diz Fudimoto. “No treinamento de um cachorro policial  nós não podemos dar a ele margens para erros, ou temos que diminuir ao máximo essa possibilidade de erro”.

O zootecnista explica que quando um cão K-9 erra em uma ação real, ele pode deixar de encontrar objetos que colocam a vida de pessoas em risco, como drogas ilícitas, armamentos, artefatos explosivos ou mesmo deixar de encontrar pessoas soterradas que estão precisando de salvamento.

“Então, nós tentamos minimizar isso durante a formação deste cão e, mesmo depois, o treinamento ainda continua de forma intensa. Sempre visando a melhoria da atuação do cão”, aponta.

As funções de um cachorro K-9

Fudimoto explica que um K-9 pode exercer diversas funções, desde as mais usuais, como a detecção de drogas e artefatos explosivos, até a busca e captura de foragidos, a contenção de distúrbios civis, cães de presídio, e para a detecção de materiais proibidos para exportação e/ou importação pelas alfandegas. “Tudo aquilo que nós podemos imaginar, também podemos colocar na função do cachorro”, diz.

Porém, ele explica, há uma ressalva no que se trata dos cães explosivistas. Por uma questão de segurança, esses cães devem ser dedicados unicamente a essa função e atender ao perfil necessário para o tipo de treinamento de detecção de explosivos.

“Não é que um mesmo cachorro não possa cumprir múltiplas funções. Mas, como dito, por uma questão de segurança nós preferimos deixar esse cão para uso exclusivo de detecção de explosivos”, ressalta.

O que é o “extremismo positivista”?

O treinamento de um cão, além de prático, pode ser uma forma de diversão para ele
Marzena Ko/Unsplash
O treinamento de um cão, além de prático, pode ser uma forma de diversão para ele

Uma polêmica causada em torno do adestramento 100% positivo é a de que muitas pessoas acreditam que, ao usar determinados aversivos, ou as chamadas punições, o adestrador estaria causando um mal ao animal, o que não acontece – lembrando que estamos falando em métodos científicos aplicados, não da índole de cada profissional, algo que é importante  saber antes de se contratar um adestrador para o seu cachorro .

“Atualmente está muito ‘na moda’ o adestramento positivo”, aponta André.

Para ele, os denominados "adestradores extremistas positivos” (descrito por Tyler Muto) querem passar, com essa ideologia de treino é um treinamento de cães recompensador, em que sempre é acrescentado algo bom para o cão após um comportamento desejado, enquanto o comportamento indesejado é apenas ignorado.

“Isso já é uma punição negativa, pois eu retirei deste cão o prêmio ou atenção que era algo que ele queria. Analisando corretamente o termo ‘adestramento 100% positivo’, chegamos à conclusão de que, na prática, ele não existe”, destaca André.

“É muito bonito de se falar e explicar a ideologia de treino, mas, cientificamente falando, não é o que acontece”, complementa o treinador.

Fudimoto ressalta que, dentro do treinamento de cães de polícia, diferentemente do que muitas pessoas acreditam, os cães não são submetidos a maus-tratos. “Pelo contrário, acredito que os cães treinados para a função policial têm uma alta qualidade de vida, diferentemente dos cães pet. Isso porque nós permitimos que esses cães tenham atividades lúdicas. Para eles, tudo é levado em um tom de brincadeira, então essa é uma imensa diversão para o cachorro”, diz.

“Além disso, nós exercitamos os instintos primários [dos cães] e fazemos com que eles tenham um comportamento natural da espécie. Diferentemente dos cães pet que, em sua maioria, ficam trancados, sem muito exercício físico ou mental, para que possam colocar em prática os seus impulsos naturais”, diz o zootecnista.

André diz ainda que “com o adestramento 100% positivo o foco é ignorar comportamentos indesejados e substituir por novos”, o treinador destaca que se um comportamento indesejado não for punido ele não perderá a força e só deixará de existir se o estímulo para um novo comportamento gerar um reforço ainda maior para o indivíduo.

“Ou seja, se você costuma treinar determinada situação utilizando algum reforçador de comida, quando não tiver a comida, o treinamento para este comportamento pode não funcionar”, aponta.

Se o método positivista falhar, como corrigir o comportamento indesejado?

“Os métodos de recompensa são os que mais dão resultados, porém  não dá para aplicar recompensa para todos os indivíduos em todos os comportamentos. Em algum momento vai acontecer a punição ou frustração de comportamento”, diz André.

Segundo o treinador, quem define se um comportamento foi reforçado ou punido é o individuo que recebe a punição ou o reforço, baseado na frequência que o comportamento ocorrerá depois. “Se eu quero punir, [o comportamento] deve diminuir a frequência, se eu quero reforçar, essa frequência será aumentada”, diz.

André afirma que não há uma solução única a ser aplicada para o treinamento canino e que cada caso deve ser analisado individualmente, assim como não existe um caso sem solução – ou seja, caso um treinador não consiga corrigir o comportamento inadequado de um cão, o problema está na abordagem usada e não no cachorro.

“Não existe uma solução pronta para aplicar em vários cães, normalmente nós temos que analisar toda a situação e testar no indivíduo que estamos trabalhando. Alguns cães aparentam não ter solução baseado na apresentação do estímulo punidor ou reforçador", explica André.

“Quando o cão não foi preparado para tal situação, eu não posso usar um reforço com comida se o cão não tem interesse pelo alimento, eu não posso fazer uma punição positiva ou negativa se o cão não entende a situação que está sendo trabalhada, para todo o treinamento existe uma programação, e o que muda de indivíduo para indivíduo geralmente é o tempo e a aplicação do treino. Mas eu não costumo dizer que não tem solução. Geralmente a programação da atividade é que não está boa ou no tempo correto para o indivíduo”, pontua.

Usar aversivos não significa maus-tratos

A recompensa de um cachorro não precisa ser necessariamente um petisco
shutterstock
A recompensa de um cachorro não precisa ser necessariamente um petisco

“Existe uma lenda muito grande a respeito disso e que se propagou ao longo dos anos até acreditarem que seja uma verdade, mas não é”, conta Fudimoto, se referindo ao treinamento de cães farejadores de substâncias ilícitas, pois existe uma crença de que os cães são forçados a cheirar as drogas e, desse modo, ficam viciados.

“Se um cachorro tiver contato com 0,05g de cocaína e ele inalá-la, esse cão pode ir a óbito”, alerta. “Então, além de ser inadmissível essa ideia de viciarmos esses cães, vai contra a saúde do animal. O desconhecimento fez com que as pessoas pensassem dessa forma”, diz o zootecnista.

Ele explica que os animais que procuram por narcóticos, ou qualquer outra fonte de odor, são treinados de modo que associem certos odores a uma determinada recompensa, que pode ser em forma de petiscos e carinhos ou brincadeiras.

“Quando nós usamos os termos positivo e negativo, isso não quer dizer bons tratos e maus-tratos. Esse entendimento se deve à falta de conhecimento a respeito da psicologia”, Fudimoto continua.

“Então, quando nós falamos reforço positivo, reforço negativo, punição positiva e punição negativa, isso não quer dizer que nós estejamos maltratando um animal. Porque, por exemplo, uma punição positiva é fazer com que o cão entre em uma zona de desconforto”.

O zootecnista diz que o desconforto pode ser passado por meio de um sentimento de frustração.

“E, quando nós falamos punição negativa, nós nos referimos a algum comportamento que não desejamos, ou seja, que está errado. Aí fazemos com que o cachorro não receba algo que ele deseja (a recompensa)”, diz.

Fudimoto esclarece que nada disso significa agressão física. “Então é por isso que os treinamentos positivistas são parcialmente fracassados. Por quê? Porque, diante de um erro do cachorro, eles preferem positivar isso, ao invés de negativar. Deixando, por exemplo, que o cachorro deixe de receber o alimento que ele queria naquele momento como um petisco ou deixe de receber o lançamento de um brinquedo (como uma bolinha). Então os cães, assim como nós, têm que entender que existe uma responsabilidade em fazer a coisa certa”, conclui.

Mas o que é um aversivo e como usar de forma correta?

André ressalta que é importante saber o que é aversivo para cada cão em específico. “Eu posso simplesmente falar 'não' em um tom de voz mais firme, que o cão já entende como algo aversivo, e tem cão que pelo próprio comportamento pode entrar em alguma situação que tenha dor, mas que não é um aversivo para ele”, diz.

O adestrador explica que em situações em que exista a necessidade de punição, não é indicado que um tutor leigo o faça. “O melhor é chamar um treinador experiente para analisar se há a realmente a necessidade de tal correção, se houver a possibilidade de trabalhar sem o uso do aversivo, isso será feito da melhor forma para o indivíduo”.

O “extremo positivo” pode nem sempre ajudar, mas o “extremo punitivo” é sempre pior

André lembra que há também pessoas que fazem o uso de aversivos de maneira exagerada ou, como define “tem [uma] conduta extrema punitiva”.

“Pessoas com [uma] conduta ‘extrema punitiva’ geralmente pioram várias situações, principalmente agressividade, se não souber o momento exato de aplicar uma punição pontual no comportamento, quem entende a punição é o indivíduo [cachorro], que pode transferir o sentimento deste acontecimento para várias outras situações”, diz o adestrador.

Existem casos em que um cão aparentemente bem comportado não está quieto por ter aprendido isso, mas por medo de, caso faça algo, venha a sofrer uma punição. O que é bastante problemático.

Ele complementa que “nem sempre em casos de agressividade é aconselhado o uso de aversivos, mas, em muitos momentos, se a agressividade está presente e um reforço positivo for acrescentado na hora errada, estará premiando o mau comportamento e este ganhará força”.

“Infelizmente, para muitas situações, não dá para resolver apenas lendo matérias e [pegando] informações da internet, é preciso de experiência e prática em várias outras situações para juntar as informações e fazer dar certo”, conclui.

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