Nos últimos anos, os animais de estimação ganharam um espaço importante na família dos brasileiros, se tornando parte fundamental delas. Isso exigiu uma adaptação em grande parte do mercado.
Os conhecidos "espaços pet friendly" se tornaram um grande fator de escolha entre tutores ao frequentar um restaurante, ou mesmo escolher um novo apartamento. Atualmente, muitos dos novos empreendimentos já são pensados para atender a esse público, enquanto para os mais antigos, a adaptação é necessária e tem sido objeto de debates e questionamentos frequentes dentro de condomínios, que muitas vezes precisam rever suas normas.
Afinal, condomínios podem proibir ou limitar a presença de animais de estimação em suas dependências? Quais são os direitos dos animais que vivem em apartamentos e quais são as obrigações de seus tutores para manter uma boa convivência entre vizinhos?
Uma mudança importante para os animais de estimação
O advogado Leandro Petraglia, especialista em Direito Animal, afirma que hoje temos uma releitura do papel dos animais na sociedade, que deixam de ser vistos como "uma coisa" para serem considerados como "sujeitos de direitos".
E este entendimento abre precedentes para uma série de direitos e obrigações, que afetam diretamente a forma como os animais são integrados nos espaços compartilhados. Leandro ressalta a importância de uma atualização nas regras condominiais, que devem corresponder a essa nova realidade.
O condomínio não pode proibir animais de estimação
A advogada Alessandra Bravo, especialista em Direito Condominial e Direito Animal, comenta que a proibição de animais de estimação, ou mesmo regras excessivamente restritivas, que não levam em conta o bem-estar dos não-humanos, estão entre os principais equívocos cometidos por condomínios residenciais em relação aos direitos dos animais.
"Muitas vezes, os condomínios tomam medidas que não estão de acordo com a lei, como proibir animais de certas raças ou tamanhos, ou até mesmo proibição total de animais de estimação. No caso de proibir raças, muitos alegam riscos à segurança ou incômodos, sem embasamento científico ou legal", diz a advogada.
"Por exemplo, há casos em que cães de raças consideradas 'perigosas' que são proibidos arbitrariamente, ignorando inclusive a Lei de cada Estado que veda a proibição de guarda, criação e circulação de animais com base em discriminação de raça, espécie ou porte. No entanto, as restrições devem ser embasadas por motivos legítimos e respeitar o princípio da razoabilidade", afirma Alessandra.
Petraglia acrescenta que essa proibição sem embasamento legal se configura como uma afronta à propriedade, mas é fundamental que a não comprometa a salubridade, segurança e sossego do ambiente.
Dessa forma, a judicialização dos conflitos entre condomínios e tutores de animais de estimação tem mostrado a urgência de um dialógo mais efetivo e de soluções juridicas que conciliem os interesses de todos os envolvidos.
O advogado observa que "as decisões judiciais estão cada vez mais levando em conta o bem-estar dos animais e a segurança dos condôminos, buscando um equilíbrio que permita a convivência harmônica entre vizinhos". Esse movimento no judiciário reflete uma tendência de maior sensibilidade para com a causa animal e a necessidade de adaptação das normas condominiais a essa nova realidade.
Quais animais são aceitos em condomínios
Alessandra Bravo explica que os portes de animais, raças e espécies permitidas em apartamentos residenciais e as principais restrições são determinadas pela legislação do estado ou município em que está localizado.
"No Brasil, não existe legislação federal que restrinja raças ou espécies. Estas restrições devem estar fundamentadas e embasadas em critérios razoáveis, como por exemplo, animais silvestres dentro de unidades residenciais", esclarece a especialista.
Deslocamento seguro, higiene e bem-estar dos pets em condomínio
O deslocamento em segurança dos animais de estimação, como cachorros e gatos, além do cuidado com a higiene (recolhimento de dejetos) nas dependências dos condomínios são de responsabilidade dos tutores.
"Essa não é uma atribuição dos funcionários do condomínio, assim como a obrigatoriedade do uso de guias curtas e coleiras ou trelas. A proibição de andar no elevador ou carregar o animal no colo é considerada constrangimento ilegal e para o animal, pode configurar maus-tratos", destaca Alessandra.
Em relação aos maus-tratos, abuso e crueldade, a especialista afirma que "a pessoa que agir dessa maneira contra os animais dentro dos condomínios poderá responder criminalmente de acordo com a legislação brasileira de proteção animal, estando sujeita a penalidades que incluem multas, advertências e até mesmo detenção, de acordo com a gravidade do ato".
"O Código Penal Brasileiro prevê penas para quem praticar atos de abuso, maus tratos, ferir ou mutilar animais. Um exemplo é a Lei nº 9.605/1998, que estabelece punições para maus-tratos a animais domésticos, silvestres, nativos ou exóticos. Maus-tratos, abuso e crueldade contra animais são tipificados na Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998), que prevê penalidades para quem atentar contra a vida, a saúde ou a integridade de animais", explica Bravo.
A boa convivência entre moradores com e sem pets
Para evitar conflitos e a subsequente judicialização das disputas, Leandro Petraglia enfatiza a importância de atualizar as convenções condominiais de maneira a refletir os valores da sociedade contemporânea, que reconhece os animais como seres sencientes e membros das famílias.
Segundo ele, "é essencial que haja um diálogo aberto entre os condôminos para criar regras que respeitem o direito à propriedade e ao mesmo tempo garantam o bem-estar dos animais e a harmonia no convívio social". A implementação de regras claras e justas pode reduzir significativamente os casos de desentendimentos e garantir um ambiente seguro e agradável para todos.
Para Petraglia, os condomínios têm um papel crucial na promoção de uma convivência pacífica entre moradores com e sem animais de estimação. Iniciativas como a criação de espaços dedicados aos pets, que já é uma tendência em novos empreendimentos, além da promoção de encontros de conscientização sobre os cuidados necessários e a mediação de conflitos de forma construtiva são medidas que podem facilitar a integração e o respeito mútuo.
"A adaptação das áreas comuns para atender às necessidades dos pets, respeitando as limitações e garantindo a segurança de todos, é um caminho viável e necessário", conclui Petraglia, ressaltando que a coexistência pacífica requer esforço conjunto, compreensão e respeito às regras estabelecidas de forma coletiva.
Ele também aponta a desproporcionalidade de algumas exigências, como a obrigatoriedade de transportar os pets no colo ou o acesso restrito às áreas comuns, que podem colocar em risco tanto os animais quanto seus tutores.
"Estamos diante de uma judicialização crescente, atacando regras desproporcionais e ilegais, que impõem frustração ao uso próprio do imóvel". O advogado destaca a necessidade de diálogo e adaptação das normas condominiais para a realidade atual, onde os animais assumem um papel central na vida de suas famílias.
Principais dúvidas entre condôminos e síndicos sobre a convivência com os pets
Diante de tantas regras e leis que devem ser respeitadas, ainda é comum que muitos dos condôminos (proprietários do imóvel, seja ele o morador ou não) e síndicos tenham dúvidas sobre a convivência com os animais nos condomínios e suas próprias responsabilidades.
"Essas dúvidas geralmente incluem questões sobre as regras permitidas, responsabilidades e procedimentos para lidar com eventuais problemas ocasionados entre humanos e não-humanos."
"Muitos condôminos e síndicos questionam quais são suas responsabilidades e direitos em relação aos animais, como, por exemplo, em casos de danos causados por animais, regras de convivência e limitações quanto ao número de animais permitidos por unidade. Essas dúvidas podem ser esclarecidas à luz do Código Civil e da Lei Estadual, refletindo em regras internas do condomínio, que estabelecem direitos e deveres para todos os envolvidos, incluindo regras para a convivência pacífica", esclarece Alessandra Bravo.
Como lidar com os sons e ruídos emitidos pelos animais
Os direitos dos moradores que têm animais de estimação devem ser respeitados, assim como os dos que não têm - ou que se incomodam com o barulho do vizinho. É importante que se saiba lidar com os animais que vivem dentro dos apartamentos e acabam gerando reclamações de terceiros.
"Antes da reclamação, precisa-se constatar o motivo ensejador do barulho excessivo dentro da unidade provocado pelos animais de estimação", comenta a advogada, que acrescenta. "O animal pode estar abandonado, com fome, com sede, doente, sofrendo maus-tratos. A mediação animalista trazendo a informação para o tutor e conscientização do problema, auxilia todos e garante o sossego alheio, cumprindo assim os princípios civis condominiais: segurança, sossego e salubridade."
Os principais direitos dos animais que vivem em apartamentos
Alessandra pontua que os principais direitos dos animais que vivem em condomínios residenciais incluem acesso a cuidados veterinários adequados, alimentação equilibrada, ambiente limpo e seguro, exercícios e socialização, de acordo com as necessidades inerentes à espécie..
"Além dos cuidados básicos, animais em condomínios têm direito à integridade física e mental e ao convívio social adequado. Os direitos estão embasados no princípio da dignidade animal, que deve ser assegurado de acordo com a legislação de proteção animal vigente e previsto em nossa Constituição Federal", esclarece.
Para ela, a convivência harmônica com os animais em condomínios, sejam residenciais ou comerciais, pressupõe o respeito mútuo entre todos os envolvidos: humanos e não-humanos.
"A responsabilidade na guarda e cuidado dos animais, e a observância das regras estabelecidas para garantir o bem-estar coletivo. Isso envolve promover a educação e a implementação de políticas condominiais que visem a harmonia entre todos."
Ela continua: "O convívio pacífico é possível e desejável, desde que haja empatia recíproca, diálogo aberto e um conhecimento aprofundado das normas e legislações pertinentes. Contar com a orientação de um especialista em Direito Condominial e Direito Animal torna-se um passo fundamental para garantir que todos tenham ciência de seus direitos e deveres, proporcionando um convívio pacífico e enriquecedor para ambas as partes."
"Ao promover a conscientização e a busca por soluções equilibradas, é possível atingir um ambiente onde a presença de animais de estimação coexiste em harmonia com a vida condominial, promovendo, assim, uma convivência saudável e pacífica para toda a comunidade", finaliza.