Geralmente nos referimos aos nossos animais de estimação como parte da família e, muitas vezes, traduzimos seus comportamentos com base no que conhecemos do próprio comportamento humano – nos baseando em nossa própria imagem.
Porém, os animais têm seus próprios sentidos e sensações, pelos quais podemos compreender como se sentem, do que precisam e, de certa forma, até nos comunicar com nossos pets para garantir seu bem-estar e uma boa qualidade de vida.
Podemos encontrar pela internet uma variedade de estudos que apontam determinados padrões nos animais, como o que eles sentem ao presenciarem uma situação específica, e como compreendem certos sinais sonoros, visuais e olfativos, por exemplo. Mas como esses estudos chegam a essas conclusões e como a ciência determina o que um animal pode sentir ou compreender, considerando que esses não podem se expressar por meio de palavras?
Ao Canal do Pet , a geneticista e especialista em comportamento canino Camilli Chamone diz que para entender como o cérebro dos animais funciona, com suas emoções, os estudos mais importantes são os da neurociência, contudo, para entender seu comportamento, as pesquesias que se destacam são as etológicas.
“Para estudar as emoções, a neurociência utiliza várias abordagens e técnicas disponíveis, tais como, eletrofisiologia, imagens do cérebro obtidas por meio de ressonância magnética, análise comportamental, anatomia comparada, estudos bioquímicos, estudos genéticos, entre outros – isso irá depender da espécie animal e do aspecto a ser estudado”, pontua.
Para Chamone, o estudo da neurociência em animais é um campo em constante evolução, com novas técnicas e abordagens surgindo a todo momento, e que a maior parte desses estudos, na verdade, tem o objetivo de entender o funcionamento do cérebro humano e não o dos animais em si – o que é possível porque vários mecanismos cerebrais entre os mamíferos são muito parecidos.
“Já os estudos etológicos funcionam de forma um pouco diferente, uma vez que eles são baseados na observação direta dos animais e, portanto, são considerados estudos observacionais. Isso significa que os etólogos simplesmente observam o que acontece naturalmente, sem interferirem no ambiente”, explica.
Como sabemos o que os animais podem (ou não) sentir
Muitas vezes traduzimos certos comportamentos dos animais de estimação com base em sentimentos humanos, como, por exemplo, ciúme ou culpa. No entanto, vários estudiosos apontam um equívoco nessa percepção, por estar “ humanizando ” os animais.
Para entender os sentimentos e o que se passa na mente dos cães, diz Chamone, “são usadas inúmeras metodologias de estudo, desde as observacionais, que requerem menor aparato tecnológico, até as mais sofisticadas, que são capazes de analisar genomas inteiros ou mapear o cérebro em nível molecular, celular e de sistemas”.
Ela explica que a escolha da metodologia a ser usada nos estudos depende do tipo de pesquisa que se deseja realizar e quais são objetivos. “No meio científico, costumamos dizer que ciência se refuta com uma ciência melhor, e não com opinião”, diz a especialista.
Com isso, Chamone relembra o famoso estudo publicado no livro “ Teoria da Dominância ”, de David Mech, baseado no comportamento de lobos em cativeiro. O resultado, porém, vem sendo refutado há alguns anos pelo próprio autor, já que foi comprovado que, na natureza, o comportamento dos lobos não é o mesmo que foi presenciado em animais presos em cativeiro.
“Na década de 1970, os pesquisadores David Premack e Guy Woodruff começaram a desenvolver estudos incipientes para explorar a capacidade dos chimpanzés de compreender o comportamento dos seus iguais. O objetivo era avaliar se esse animal era capaz de entender o que o outro pensava para, a partir desse entendimento, modular o seu próprio comportamento”, conta a especialistas.
“Eles descobriram que os chimpanzés eram capazes de entender e prever as ações de outros chimpanzés com base em suas crenças e desejos”, diz Chamone, que acrescenta que a capacidade de entender estados mentais de terceiros foi chamada de “Teoria da Mente”.
“A partir da década de 1980, estudos para explorar a Teoria da Mente passaram a ser amplamente realizados em crianças e adultos, principalmente aqueles que apresentavam alterações nos padrões de desenvolvimento cognitivo-emocional”, explica.
Os estudos da Teoria da Mente, anos depois, passaram a ser usados também para entender animais, entre os quais estão gorilas, orangotangos, golfinhos, corvos, papagaios e, é claro, cães e gatos.
“Essas pesquisas concluíram que nenhuma outra espécie, além da humana, tem capacidade tão acurada de entender as emoções de terceiros, embora os grandes primatas [gorilas e chimpanzés, por exemplo] tenham alguma forma de Teoria da Mente e a usem nas interações sociais com seu grupo”, diz a geneticista.
Ela afirma que, até hoje, nenhum estudo conseguiu provar que cães apresentem alguma forma de Teoria da Mente.
“Na prática, isso significa que nem cognitiva nem emocionalmente, eles são capazes de arquitetar planos diabólicos para assumir o controle sob a espécie humana. [...] Do contrário, qualquer outra espécie com o cérebro mais desenvolvido já teria feito.”
“Embora nós consideremos os cães uma espécie animal muito inteligente, eles não apresentam mais de 600 milhões de neurônios no neocórtex, ‘perdendo’ para os elefantes, girafas, golfinhos, baleias, porcos, capivaras e muitos outros animais. Por outro lado, os gatos têm algo em torno dos 250 milhões neurônios localizados no neocórtex”, afirma a especialista.
De acordo com diversos estudos histológicos sobre padrões às reações e atividades do cérebro dos animais, como os de Suzana Herculano-Houzel, o que se concluiu foi que os cachorros, assim como diversos outros animais, podem experenciar apenas as emoções básicas, como: alegria, tristeza, medo, raiva, surpresa e nojo.
Como concluímos fatos que eles não nos contam verbalmente
É muito provável que já se tenha ouvido que “ os cães não podem enxergar cores ”, ou entendem palavras e até mesmo nossos sentimentos. Mas como chegamos a conclusões como essas? Chamone explica que isso se deve a diversos estudos histológicos e da neurofisiologia da retina dos cães.
Por meio dessas pesquisas, se descobriu que, assim como os humanos, os cachorros têm dois tipos de células que reagem à luz, que são chamadas de cones e bastonetes.
“Funcionalmente, os cones são responsáveis pela alta resolução de detalhes, pela resposta sensorial rápida, pela percepção das cores verde, vermelha e azul, e basicamente pela visão diurna. Mas, os cães possuem uma particularidade: diferentemente dos humanos, parece que eles não têm os cones sensíveis ao verde”, diz Chamone.
Já os bastonetes têm baixa resolução visual, portanto, “não detectam cores, mas são muito sensíveis a mudanças na luminosidade e são responsáveis pela visão noturna”.
“Cães têm mais bastonetes que humanos, porém menos cones, adicionando o fato de que não têm os cones que detectam a cor verde. Dito isso, o que podemos concluir? Que os cachorros enxergam no escuro e detectam movimentos melhor que os humanos, porém, a forma que eles veem as cores é diferente e, provavelmente, enxergam com menor nitidez”, aponta a geneticista.
Com relação ao entendimento das palavras, a resposta é relativamente simples: cães não entendem o significado de cada uma delas, afirma a especialista. O que acontece, na verdade, é que os animais são condicionados (por treinos) e podem memorizar um comportamento a ser feito após ouvirem sons ou perceberem gestos específicos.
“Então, por exemplo, pode-se ensinar um cachorro a sentar usando a palavra ‘senta’ (ou outra qualquer, à escolha do tutor) ou fazendo um movimento específico com as mãos. É por isso que não é necessária nenhuma metodologia especial para condicionar um cachorro surdo – basta usar linguagem corporal, ao invés de linguagem verbal”, aponta.
Chamone ainda destaca que, além da linguagem verbal e corporal, os cães podem perceber os nossos sentimentos por meio dos odores que exalamos.
“Isso acontece porque eles têm em seu córtex olfativo milhões de neurônios a mais que os humanos, conferindo a esses animais o ‘superpoder’ de sentirem cheiros que humanos não são capazes de perceber. A descoberta de que cães têm mais células em seus córtex olfativos se deu por meio de estudos anatômicos, histológicos e outros que avaliam a atividade elétrica dessa região do sistema nervoso”, esclarece.
As emoções caninas: o que os nossos pets podem sentir?
Entender como os nossos animais de estimação se sentem – assim como o que eles sentem – é a melhor forma de garantirmos o seu bem-estar. E para chegar a esse entendimento é “quase simples”. Segundo Camilli Chamone, é preciso observar os comportamentos e o que eles fazem.
Ela explica: “Usei o advérbio ‘quase’, porque, embora pareça simples, não adianta só observar - é preciso ter conhecimento para conseguir enxergar os comportamentos que os cães fazem quando estão com bem-estar elevado ou, ao contrário, quando estão estressados”.
No caso dos cães, quando estão cronicamente estressados, eles apresentam diversos comportamentos disfuncionais, de forma isolada ou associada. Chamone cita alguns exemplos de comportamento que os cães fazem para demonstrar estresse elevado:
- Lambedura compulsiva (do próprio corpo, do corpo de terceiros ou de objetos);
- Latidos compulsivos e desmotivados;
- Destruição compulsiva de objetos, móveis, roupas, etc.;
- Coprofagia (ingestão de fezes) compulsiva;
- Monta compulsiva (em outros animais, pessoas ou objetos). O comportamento de monta (como se quisesse cruzar) só é considerado normal, quando um macho monta em uma fêmea no cio. Em todos os outros cenários é indicativo de estresse elevado;
- Corridas malucas pela casa, que costumam ocorrer principalmente ao fim da tarde (essas corridas também são conhecidas como “zoomie”);
- Trocar o dia pela noite;
- Não conseguir relaxar (sono leve durante o dia e durante a noite);
- Marcar território dentro de casa (esse comportamento pode ser observado em cães machos e fêmeas);
- Correr compulsivamente atrás da própria cauda;
- Caçar insetos imaginários;
- Apresentar comportamentos hiperativos;
- Apresentar compulsão alimentar ou, ao contrário, total inapetência;
- Apresentar dificuldade para aprender ou esquecimento rápido do que foi aprendido;
- Tracionar a guia com força, durante o passeio;
- Se automutilar;
- Se coçar de forma compulsiva, sem que haja nenhuma justificativa dermatológica para isso;
- Apresentar comportamento agressivo;
- Apresentar comportamento fóbico (aqui incluem-se fobias diversas: fobia de ficar sozinho, fobia de barulhos triviais, fobia de pessoas, etc.);
- Qualquer outro comportamento que se manifeste de forma obsessiva, compulsiva e que, aparentemente, não tenha nenhum objetivo.
A especialista afirma ainda que, no caso contrário, a ciência ainda não elencou comportamentos que, objetivamente, demonstrem com acurácia estados de elevação de bem-estar.
“Portanto, considera-se que a ausência de qualquer um dos sinais mencionados é indicativo de bem-estar elevado, enquanto a presença de apenas um único sinal é indicativa de estresse crônico.”
O estresse crônico é prejudicial não apenas no que se refere ao comportamento, mas pode prejudicar diretamente sua saúde. Para isso, a geneticista aponta que é preciso usar o que se chama de “detox do estresse”.
“Promover descompressão emocional é essencial, uma vez que um cérebro estressado compromete todo o funcionamento do corpo, o adoecendo, além de interferir negativamente nos processos de aprendizado dos comportamentos funcionais, tornando impossível a reabilitação comportamental”, diz Chamone.
“Uma vez que a saúde do cérebro é restabelecida, a maior parte dos comportamentos disfuncionais desaparecem por si só e os restantes são mais facilmente manejados”, completa.
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