Por que alguns cães rosnam para certas pessoas?
Reprodução/freepik
Por que alguns cães rosnam para certas pessoas?

Quem convive com um cão já percebeu: enquanto algumas visitas são recebidas com pulos e rabos abanando, outras enfrentam rosnados e até comportamentos agressivos. Essa disparidade nas reações costuma gerar dúvidas entre tutores — estariam os cães percebendo algo que nós não vemos? De acordo com especialistas em comportamento animal, a resposta está menos ligada a “sexto sentido” e mais à leitura refinada que os cães fazem do ambiente.

Segundo Pat Miller, consultora certificada em comportamento canino pelo Certification Council for Professional Dog Trainers (CCPDT) , é mais comum que o cão esteja reagindo por medo ou insegurança, e não por um impulso real de proteção. “ A maioria dos cães que rosnam ou avançam está tentando afastar um estímulo que consideram ameaçador. É uma forma de defesa, não de ataque ”, explica ela, em artigo publicado na Whole Dog Journal (2022).


Nariz que sente o medo

O olfato dos cães é uma das principais ferramentas de percepção. De acordo com estudos citados pela especialista em cognição animal Alexandra Horowitz, enquanto nós humanos contamos com cerca de 6 milhões de receptores olfativos, cães chegam a ter mais de 200 milhões — número que varia por raça. Além disso, a área cerebral dedicada ao processamento de odores é, proporcionalmente, até 40 vezes maior do que a nossa (Horowitz, Inside of a Dog, 2009).

Essa capacidade permite, por exemplo, que os cães detectem hormônios como o cortisol, liberado em situações de estresse, o que explica por que eles percebem quando uma pessoa está ansiosa ou nervosa — mesmo que ela tente disfarçar.

Corpo fala — e o cão entende

O comportamento humano também é interpretado com precisão pelos cães. Segundo a etóloga Turid Rugaas, autora do livro On Talking Terms with Dogs , posturas corporais como olhares fixos, aproximações rápidas ou movimentos repentinos podem ser lidos como sinais de ameaça. Em cães pouco socializados, esse tipo de leitura costuma acionar mecanismos de defesa.

Históricos e traumas fazem diferença

Cada cão traz consigo uma bagagem emocional. Aqueles que passaram por falhas na socialização entre a terceira e a décima segunda semana de vida, fase crítica para o desenvolvimento comportamental, tendem a reagir de forma mais intensa a estímulos inesperados. Isso ajuda a explicar por que cães da mesma raça e idade podem ter reações completamente diferentes à mesma pessoa.

“É comum que tutores interpretem o comportamento reativo como um ato de proteção. Mas, na maioria dos casos, trata-se de uma resposta defensiva a algo que o cão considera desconfortável” , afirma Miller.

E quando o cachorro rosna?

Rosnar, segundo especialistas em comportamento canino, é uma forma de comunicação — um aviso. Ignorar ou punir esse sinal pode agravar o quadro. “Quando punimos um rosnado, o cão aprende que não pode alertar, mas o desconforto continua. Isso pode levá-lo diretamente à mordida sem aviso prévio” , adverte Pat Miller.

Em vez disso, recomenda-se o uso de técnicas como o “Treat and Retreat”, protocolo desenvolvido pela treinadora Suzanne Clothier, que associa a presença de estranhos a experiências positivas, como petiscos de alto valor. A ideia é dessensibilizar o cão e ajudá-lo a mudar sua percepção do que antes era ameaçador.

E os cães protetores?

Casos de cães que realmente protegem seus tutores, atacando agressores reais, são raros. Miller relata apenas um caso em sua longa carreira: um cão que enfrentou um assaltante armado, mas que fora, até então, um animal extremamente dócil com humanos. “Não se deve confundir comportamento protetor com reação motivada pelo medo” , alerta.

O verdadeiro cão de proteção exige treinamento especializado, profissional e ético. Segundo orientações da Association of Professional Dog Trainers (APDT) , o animal deve ser emocionalmente estável, socializado e treinado com métodos positivos, evitando o uso de força ou intimidação.

Caminhos para melhorar a convivência

A melhor forma de evitar comportamentos agressivos é apostar na socialização precoce, apresentando o filhote a diferentes pessoas, sons e ambientes de forma segura. Já para cães adultos reativos, a reeducação é possível, embora mais demorada, com auxílio de reforço positivo e profissionais especializados.

“Quanto mais estressado o cão, mais restrito é seu repertório de respostas” , explica Miller. Por isso, criar um ambiente seguro, previsível e positivo é essencial para que ele aprenda a confiar — e, com isso, reaja de forma mais tranquila às novidades da vida.

    Mais Recentes

      Comentários

      Clique aqui e deixe seu comentário!