As comemorações do Dia das Mães perpassam por um debate que, muitas vezes, é polêmico, mas que exige respeito e atenção: a real maternidade das consideradas “mães de pet” é cada vez mais comum nos últimos anos e essas mulheres querem ser respeitadas como tal.
Há muito tempo os animais deixaram de exercer suas costumeiras funções de protetores ou companhia doméstica para se tornarem parte importante de diversas famílias, com muitas pessoas optando por terem cães e gatos em vez de filhos humanos. Algo que, especialmente no caso das mulheres, há uma espécie de “imposição social”.
Em 2022, o Papa Francisco abordou o tema em um discurso no Vaticano, no qual o Pontífice criticou pessoas que têm cães e gatos, como se essas estivessem “substituindo” os filhos por animais. Recentemente, ele voltou a comentar o tema, quando contou que uma mulher de 50 anos pediu que ele “abençoasse seu filho”.
"Eu a cumprimentei e ela abriu uma bolsa, me dizendo para abençoar seu filho, mas era um cachorro. Eu não tive paciência e a reprimi: 'Tantas crianças com fome e você com um cachorrinho'", reclamou o líder católico.
Uma escolha que não é respeitada
Ao Canal do Pet , a psicóloga Juliana Souza Felipe diz que ser ou não mãe foi “um dos direitos adquiridos pelas mulheres nos últimos tempos”.
"Essa liberdade não nos isenta de alguns padrões sociais e preconceitos. Quem não opta pela maternidade está sujeita a questionamentos, como se não fosse natural, já que o nosso corpo foi projetado para gerar vida”, afirma a psicóloga, que complementa que o número de mulheres que não desejam ser mães aumentou, mas “para muitas ainda é difícil bancar essa escolha”.
Para a psicóloga, essa pressão social faz com que elas sintam que estão fazendo algo errado e sintam medo de um arrependimento no futuro. “Há uma ideia embutida de que ao ser mãe não sentirão uma solidão”, diz Juliana.
Patrícia Camargo, que é mãe de pet e compartilha seu dia a dia com seus dois filhos de quatro patas pelas redes sociais, acredita que tudo seja uma questão de escolhas e compreende a fala do Papa Francisco como algo “triste”, especialmente por gerar uma “competição” que não deveria existir.
“Foi bem triste ler os comentários [nas redes sociais], ver mulheres se agredindo, competindo para ver ‘quem é mais mãe’”, comenta Patrícia que, junto ao marido Mateus, optou por não ter filhos humanos.
Para Patrícia, “há uma competição do tipo ‘eu sou mais mãe porque eu pari’, ou ‘sou mais mãe porque tive um parto normal’”. Ela ressalta que há um preconceito quando se usa o termo “mãe” quando se trata de animais de estimação.
“Para mim isso é um conflito de ego, de superioridade e falta de empatia. Eu acho que ninguém está aqui para julgar o sentimento e minimizar a dor da outra. Então eu vejo como uma competição muito feia”, aponta Patrícia.
“E agora também vieram esses comentários do Papa, quando ele aborda isso, o tanto de coisas ruins que a gente lê e que não mudam nada, pelo contrário, isso só vai ferir alguém que está do outro lado, lendo [ou ouvindo] aquilo”, afirma Patrícia.
Ela continua: “Muitas mulheres não têm filhos porque elas não podem, por uma questão de saúde. E que ‘Deus não quer’. Então é superdesnecessária essa competição, essa necessidade de se sentir superior a outra mulher”.
“No meu ponto de vista não é uma substituição. São opções distintas. Eu, por exemplo, optei por não ter filhos [humanos], não gerar uma vida. Eu e o meu marido”, diz Patrícia. “Isso não é porque eu vou substituir uma criança por um pet. São coisas distintas. Eu não quis ter filho humano e quis cuidar de cachorro”.
Ela não descarta a possibilidade de que, em alguns anos, isso possa mudar e ela queira ser mãe de uma criança, mas reforça que isso não mudará o que sente pelos cachorros, que considera como filhos. “Se me considero como mãe, sou eu que tenho que saber isso, sou eu que tenho que saber dos meus sentimentos”, pondera Patrícia.
Para Juliana, a presença dos pets traz inúmeros benefícios para quem convive com eles, pois são uma ótima companhia. Ela destaca que as mulheres que escolheram ser mães de pet não estão substituindo a maternidade.
"São experiências completamente diferentes, não há comparação, mesmo que haja um grande amor envolvido em ambas as relações.”
Pelo direito de ser mãe de quem se quiser
Patrícia, que optou por não ter filhos e dedicar seus cuidados de mãe aos pets Armandinho e Nina ressalta que nem sempre esse papel é apenas uma questão de opção e, por isso, quando alguém afirma que “mãe de pet não é mãe” chega a ser cruel.
Ela reflete sobre casos de mulheres que dão à luz e abandonam as crianças, até mesmo “jogando na lata do lixo”.
“Mesmo ela [progenitora] jogando no lixo, é considerada mãe porque ela gerou? Você começa a esbarrar em várias questões, então não tem que ficar julgando quem é mais, ou quem é menos mãe”, opina. “Geralmente, nessa época [de Dia das Mães] eu vejo muitos comentários, até de algumas influenciadoras, que colocam essa polêmica nas redes sociais, de ‘mãe de pet é realmente mãe?’”
A mãe de Armandinho e Nina ainda aponta questões como a “mãe que não gera uma vida, mas adota uma criança, ela é menos mãe por que não gerou? Ela é mãe sim! Porque ela está cuidando, ela está criando e dando amor. Então só vai ser considerada mãe quem deu à luz, quem gerou uma vida?”
Por isso ela vê como problemáticas as falas do Papa. Além de machucar aquelas que, seja por não terem vontade ou por alguma questão de saúde, não têm filhos humanos e supriram sua maternidade com um animal de estimação. Juliana ainda conclui que ser mãe tem muito mais a ver com o coração do que com o título.
“É muito fácil usar o título de mãe quando cuidamos de alguém ou de algo, tem até mãe de planta. Porque é sobre isso, é sobre o cuidar. Nosso conceito sobre ser mãe está vinculado a esse carinho, atenção, dedicação e proteção que muitas mulheres oferecem e podem escolher quem receberá”, afirma a psicóloga.
Opiniões divergentes
Laura Poggi Rodrigues e Raphaella Ramos são empreendedoras no mercado pet e têm visões diferentes sobre o relacionamento com seus animais de estimação.
Laura é mãe de dois filhos e tem dois cachorros, Chloe e Tito, mas prefere manter distância entre as relações de “mãe e filho” e de “tutora e pet”. Portanto, ela não os considera como membros da família.
Já Raphaella, que não tem filhos humanos, vê em seu cãozinho Buddy um “filho pet”. Ela afirma que nunca viu problema em tratar os animais como parte da família e que, por ter crescido em uma família que sempre teve pets, optou por ter um cachorrinho, que está sempre com ela e que essa proximidade cria uma “sensação de proteção”.
Filho é Filho, Pet é Pet?
“Considero que minha vivência no campo contribui muito para minha percepção de que filho pet é diferente de filho humano, exigindo distinta relação, autonomia e tratamento”, pondera Laura, que é CEO de uma rede de pet shops.
Para ela, os pets precisam de outros estímulos, como roer, passear, farejar e socializar com outros animais de suas próprias espécies “enquanto os filhos humanos possuem outras necessidades, principalmente relacionado a aprendizado e apego”.
“Enquanto busco me informar sobre livros, brinquedos e alimentação saudável para minhas filhas, para a Cloe e o Tito eu sou supercriteriosa na busca de uma alimentação funcional, brinquedos que fomentem os instintos naturais deles e principalmente estímulos relacionados ao enriquecimento ambiental em casa e durante os passeios”, afirma Laura.
“Acho que não considerar como filho, mas entender e respeitar o pet com sua característica própria da espécie, permite uma relação muito mais saudável interespécies - homem e cães, como no meu caso”, diz.
Famílias multiespécies
Com os animais mais integrados à convivência familiar, surgiram as chamadas “famílias multiespécies”. Os pets precisam seguir uma rotina, com hora para dormir, comer, brincar e passear, cuidados semelhantes aos que se tem com uma criança, embora, como Raphaela reconhece, a demanda de um pet seja bem menor.
“Os bichinhos deixaram de viver do lado de fora, se alimentando de restos e cumprindo alguma função útil aos humanos, passando a morar dentro das casas apenas com a atribuição de animais de estimação e fazendo com que surja a família multiespécie, composta por humanos e não humanos”, explica Laura.
Ela menciona uma pesquisa realizada pelas organizações Radar Pet e Comac (Comissão de Animais de Companhia), do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para a Saúde Animal (Sindan), das casas que possuem cachorros, 21% delas são de casais sem filhos, contra 9% de casas com pessoas morando sozinhas e 65% de casas com filhos.
Raphaella destaca que pelo fato de ser de uma família pequena, a chegada de seu cachorrinho a trouxe mais companhia e apoio emocional, diminuindo a sensação de solidão e fortaleceu o sentimento de importância e de pertencer a alguém. “Além disso, exercitamos o senso de responsabilidade e a empatia”, diz.
Ela ainda destaca que, em relação à maternidade, se sente completa em ser mãe de pet: “Acho que por falta de espaço sempre alimentei esse desejo de ter um ‘filho’ pet e, depois de adulta, percebi que a maternidade me completava pelo Buddy”.
Assim como Patrícia, Raphaella concorda que exista uma pressão social que impõe que “as mulheres devem ser mães”: “Sim, vejo ainda muito preconceito, mas sempre respondo com humor e que sou mãe, mãe de pet”, afirma.
“Sinceramente eu pessoalmente não tenho desejo de ter filhos humanos, mas entendo que essa escolha é muito pessoal”, declara.
Raphaella também entende que cuidar de um animal pode ser um bom “treinamento” para futuros pais de filhos humanos. “Certamente, ter pet e se comprometer a cuidar de um ser contribui para a geração de vínculos e da responsabilidade de cuidar de alguém”.
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