Corrigir o comportamento de um cachorro também exige mudanças do próprio tutor

Antes de repreender o cão por um comportamento inadequado, o tutor deve refletir sobre o próprio comportamento, buscando entender o que pode ter levado o pet a agir de uma determinada forma

Foto: Jeffrey F Lin/Unsplash
Um petisco pode servir como reforço negativo e positivo, considerando que o pet só irá recebê-lo depois que obedecer o comando do tutor

Os cachorros são animais alegres e cheios de energia, por isso é comum que sejam também bagunceiros ou que tenham comportamentos considerados inadequados. Como pular em pessoas ou objetos, aproveitarem o menor descuido dos tutores para escapar pelo portão, latir em excesso, entre diversos outros.

Muitos tutores tentam chamar a atenção dos pets com broncas, colocando o pet de castigo em alguma parte da casa ou os deixando presos. Mas, na prática, nada disso é eficaz e, além de não resolver nada, pode tornar o animal agressivo.

Ao falarmos de repreender um animal de estimação, pode ser entendido como algo negativo. Mas há uma forma correta para se fazer isso e, junto ao Canal do Pet, o adestrador comportamental André Almeida nos traz algumas dicas de como o tutor deve agir para não apenas corrigir, mas prevenir comportamentos negativos nos cachorros.

“Isso confunde bastante as pessoas e gera problemas para os cães também. Estamos vivendo em um tempo que está difícil para os cães e para as pessoas, que estão passando muito tempo com o cachorro em casa e não conseguem dar uma atenção correta. Os cães aprontam e os tutores podem acabar perdendo a paciência”, diz o adestrador.

André ressalta que, antes de chegar ao método de repreender/corrigir o pet, é preciso antes reforçar o entendimento quanto aos reforçadores e punidores de comportamento, que ainda é pouco compreendido pelas pessoas.

  • Reforço positivo: explicando de uma maneria simples e fácil de entender, é atualmente o mais utilizado e indicado. O reforço positivo consiste em acrescentar algo no exato momento em que o cão toma uma determinada ação, o que fará aquele comportamento aumentar a frequência.

“O reforço positivo depende de cada indivíduo, pode ser um biscoito, carinho, um brinquedo, pode ser até uma palavra. O que for interessante para o cão naquele momento e naquele naquela marcação de comportamento e isso vai fazer o comportamento aumentar”.

  • Reforço negativo: o reforçador negativo também faz a frequência do comportamento aumentar. Ao contrário do positivo, que acrescenta algo que o pet goste, o negativo retira algo que possa ser desagradável para ele em uma determinada situação.

É o momento em que o tutor retira do cão um determinado objeto ou situação que seja negativo para o animal no instante em que o pet tomou uma determinada ação, o que também fará com que aquele comportamento se torne mais frequente.

  • Punição positiva: a punição positiva é acrescentar algo que pode não agradar o animal em uma determinada situação, no exato momento em que o pet toma uma determinada ação, o que fará com que aquele comportamento venha a diminuir.
  • Punição negativa: a punição negativa consiste na retirada de algo que seja bom para o animal, no momento em que ele toma uma ação inadequada. O que também tende a fazer aquele comportamento diminuir.

Ressaltando que, ao contrário do que possa se dar a entender pela nomenclatura, nesses casos o “reforço” e “punição” não significam “bom” e “ruim”, apenas se referem ao que fará um comportamento ser associado pelo pet como algo bom e outro que fará o pet entender que, ao fazer algo ruim, aquilo não será bom para ele. Em nenhum momento se trata de qualquer tipo de punição ao animal.

“Um bom exemplo para isso é quando o tutor está tentando fazer o cachorro sentar, e ele tem um prêmio para dar ao pet quando ele corresponder ao comando. O animal quer aquele prêmio e ele está vendo. E o tutor não entrega porque o pet ainda não se sentou. No momento em que o pet se sentar, o tutor finalmente entrega aquele prêmio. Essa recompensa se trata de um reforço positivo pontual porque ele entrou naquele exato momento, porém, durante todo o tempo em que o tutor estava apenas fazendo gestos e dando o comando para que o pet se sentasse, aquilo se trata de punição negativa. Era algo que o pet considera como bom, mas não recebeu até que correspondesse ao que o tutor estava pedindo”, explica o adestrador.

André Almeida exemplifica também uma situação em que o reforço negativo é aplicado. “O tutor está passeando com o cachorro e o animal começa a puxar. É nesse momento que a guia trabalha, fazendo a contenção do cão e gerando um certo desconforto ao pet, e isso tende a fazer com que o animal diminua aquela ação/comportamento. Quando o tutor alivia a guia, ele está reforçando o comportamento de puxar do animal  e, automaticamente, este comportamento vai crescer porque o tutor retirou algo que para o pet é ruim. Isso é um reforço negativo”, explica.

Uma forma prática de fazer com que o pet entenda que ele não deve ficar puxando a guia durante o passeio, como indica o adestrador comportamental, seria o tutor parar o passeio e manter a guia tensionada, quando o pet parar de puxar, aí o tutor alivia a guia e faz o reforço positivo [continuar com o passeio]. “O cão entende que, se ele puxa, fica mais desconfortável. E se ele para de puxar, ele recebe algo que gosta”.

Uma punição positiva muito comum, que quase todos os tutores já fizeram, e talvez não tenham notado, é simplesmente dizer "não". Quando o cão está fazendo algo ou entrando em algum lugar que não deve, ao dizer não ao animal, ele entenderá que não deveria estar fazendo aquilo. O tutor está acrescentando uma punição ao pet, mesmo sem tocar nele. Quando o cão pula no tutor é porque ele quer carinho e uma forma prática de punir esse comportamento é retirar o contato visual com o pet, recolher os braços e virar de costas e se afastar. Assim o tutor retira do animal o que ele quer, que é a atenção porque ele pediu de uma maneira errada.

Para repreender, antes entenda o cachorro

Foto: Christof W/Unsplash
A convivência do dia a dia interfere diretamente em como o pet irá se comportar

André Almeida alerta para que os tutores entendam que não existe uma “fórmula mágica” para resolver todos os problemas do animal e é preciso que, tendo em mente o que é reforçador e punidor, o tutor reflita e entenda o que no modo de agir no dia a dia possa ter contribuído para levar o pet a estar se comportando de uma certa maneira.

“O animal nasce e cresce aprendendo, se o tutor ensinar ou não, o pet irá aprender. Se o tutor ensinar corretamente, o pet irá aprender. Se não, o animal irá aprender do jeito dele, e ele irá repetir o que ele entender como algo bom, e o que para ele é ruim, ele tende a não repetir”, explica o adestrador.

Para André, é nessa situação que muitos dos tutores se confundem e acabam reforçando um comportamento ruim acreditando que estão fazendo o melhor para o animal. Ao imaginar que está punindo o pet, o tutor age de uma maneira errada, já que é o próprio animal que decidirá se aquilo é uma punição ou não, e da mesma forma funciona com o reforço. “Uma forma de o tutor identificar isso é pela forma como o pet responderá a uma determinada ação, pode parecer confuso, mas com o tempo se tornará mais claro o que se deve e o que não se deve fazer”, conta.

A forma como o tutor irá corrigir o animal dependerá muito do contexto da situação vivida na casa. “Normalmente os indivíduos [os cães] com quem trabalhamos têm os reforços e as punições que, para eles, são interessantes. Eu falo muito sobre o sistema de alimentação no treinamento,porque é uma forma de trabalhar o cão com motivação e interesse e premiá-lo o máximo possível”, continua.

“E o porquê disso: se eu tenho o meu cão com a quantidade de alimento que para ele é necessária e interessante, ele vai me dar sempre bons comportamentos e ter aquilo e, automaticamente, eu consigo melhorar o comportamento dele de uma forma com mais reforços”, explica.

O adestrador reforça que não se pode usar uma fórmula que deu certo com um cão e aplicar exatamente igual em outro, tudo dependerá do contexto de cada treinamento, ou situação. É importante o tutor entender o que se passa na cabeça do cachorro quando ele entra em determinado comportamento. Quando as pessoas sentam para comer e o cachorro fica do lado e por algum motivo ele late, o tutor tende a olhar para o pet briga com ele, o mandando parar e, mesmo assim o cão continua latindo.  Para o cão, o ato da bronca não foi considerado uma punição de comportamento, por mais que para nós isso possa parecer que foi, então o animal continuará latindo. Então como se deve corrigir o comportamento desse cão?

“É comum que algumas pessoas perguntem se podem colocar o cão de castigo, a resposta é não. Não pode! Isso porque o cachorro não entendo o castigo, ele irá entender que o tutor o tirou de um ambiente, mas não há necessidade de deixar o animal 30 minutos de castigo”, explica o profissional.

Agressão não é correção

André relembra um antigo costume que muitas pessoas tinham, de pegar uma revista ou um jornal e fazer um rolo, para bater no cachorro [muitos alegando que apenas assusta o pet, não causando dor], mas o adestrador afirma que não se deve fazer isso. “Isso é péssimo! Não se deve fazer isso, além de ser agressão e agredir um animal é algo totalmente desnecessário. Na natureza isso não acontece e, se o tutor fizer, o pet vai entender que aquele objeto é ruim e não que aquela situação serviu para educa-lo em relação a qualquer outra coisa. Muitas pessoas acabam passando o próprio incomodo para o cão, em vez de corrigir o pet”.

O pet está atrapalhando o home office

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Cachorros latindo demais pode ser consequência do isolamento

Entre os assuntos mais comentados durante a pandemia de covid-19 estão a  ansiedade de separação e cachorros latindo enquanto os tutores estavam em reunião , trabalhando em home office. “Isso acontece porque as pessoas não dão ao cão o que ele precisa para se sentir bem e ficar bem no dia a dia e, automaticamente, dar paz para a família trabalhar em casa. Sendo assim, nós temos que trabalhar com mais punição positiva, naquele momento pontual, só para tirar aquele comportamento do cão. Isso porque a família precisa disso e é injusto com o cão, pois ele não entende isso e não foi para isso que a família o treinou”, explica.

As pessoas, geralmente, acostumam o animal a latir e em seguida terem uma resposta ou receberem algo. André afirma que para isso é necessário acostumar o pet com a punição negativa, que é retirar a atenção que o pet tanto deseja receber.

“As pessoas acham isso chato porque o cão ficará latindo por mais tempo, mas é necessário. O tutor deve agir normalmente, sem dar atenção ao pet, para que ele entenda que não vai conseguir o que deseja tendo aquele comportamento”, explica.

O tempo que o processo pode demorar irá depender do quanto os tutores já acostumaram o pet ao contrário. André ressalta que a punição positiva é uma forma mais rápida para obter o resultado, mas que não é a recomendada de início e, sendo usada apenas caso seja realmente necessária, pensando no bem-estar do animal e não do tutor.

Para ter um exemplo, quando chega a hora da refeição e o tutor não quer que o animal fique com a “cara de pidão” e coloca o pet para o lado de fora, como punição positiva. O tutor pode fazer isso sempre que a situação se repetir, no entanto ele estará perdendo mais tempo do que se o oposto acontecesse.

O mais indicado seria criar uma atividade reforçadora para o cachorro, para que ele tenha algo que ele goste para fazer nesses mesmos horários – como ter as refeições dele nos mesmos horários que o resto da família, por exemplo.


O papel do adestrador comportamental

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A guia da coleira deve ser colocada de forma correta no pulso do condutor

Quando os tutores não conseguem resolver o problema sozinhos, é sempre indicado que se procure ajuda com um profissional qualificado, mas até para isso leva um tempo.

“Quando nós falamos em como corrigir o cão, as pessoas acham que tem um padrão e que o adestrador vai chegar e vai fazer mágica para corrigir o cachorro. Não! A ‘mágica’ que o adestrador vai fazer é conversar com a família, entender os comportamentos, ver o que está acontecendo para indicar para a família [do pet] o que deve e o que não deve ser feito”, explica.

Com as orientações do profissional não são apenas os cães que devem mudar a forma de agir em cada situação, mas também aqueles que convivem com eles. O animal de estimação é um reflexo da família e daqueles que ele tem como exemplo.

“Com a família mudando de comportamento, o cão começa a mudar também.  É nessa hora que nós estamos trabalhando com mais reforçadores para melhorar o comportamento do cão, do que com punidores, com correção direcionada para o indivíduo. É bom o tutor ter bastante cuidado com isso, pois é algo que pode ajudar bastante”, conta.

André também ressalta sobre muitas dicas de métodos caseiros para educar os animais de estimação, como usar borrifadores com água ou objetos que façam ruídos. Mas, antes de usar qualquer método, o tutor deve entender o que está causando o comportamento que ele deseja diminuir no animal, ou não irá funcionar.

“Sendo assim, com o tempo, o tutor terá que aumentar muito a intensidade, o que deixará o cão em uma situação desconfortável. Além disso, o próprio tutor ficará mais irritado e passará por momentos ruins, perdendo o controle da situação. Não é interessante trabalhar somente com foco em correção”, alerta.

Trabalhar o comportamento desejado e não corrigir o indesejado

Segundo André, é muito comum que se acredite que o certo ao educar o pet seja o tutor estimular que o animal faça aquilo que ele deseja, sem necessariamente ensinar o cão que outro comportamento é inadequado.

Muitos tutores tentam ensinar o cão a sentar, sem antes ensiná-lo que não deve pular, o cão pode até entender que ele deve sentar ao receber o comando, mas não terá aprendido que não deve pular no próprio tutor ou em uma eventual visita.

Prevenir é melhor do que corrigir 

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Adestrador ensina levar cachorro para passear sem que ele puxe a coleira

“As pessoas precisam entender que, quanto mais o cão pula e num momento ou outro ele vai receber o que quer porque não houve uma punição, o tutor está aumentando a intensidade daquele comportamento, que tende a aumentar com o tempo. Isso vale também para latidos, fugas pelo portão, entre outros. Por isso é importante trabalhar antes com a prevenção do que com a correção”, afirma.

Ao trabalhar corretamente com a prevenção, o tutor evita a necessidade de trabalhar com a punição do animal. Sempre adequando o animal a adquirir um comportamento desejado do que corrigir ou punir quando ele fizer algo indesejado.

“Vamos supor que o cachorro escapou e o tutor correu atrás dele, quando ele dá uma bronca nele, achando que ele está entendendo que a bronca é porque ele fugiu, esquece! Já passou muito tempo, já aconteceu muita coisa, o que ele vai entender é ‘eu fugi, corri vinte minutos, meu dono me pegou e me deu uma bronca. Na próxima eu tenho que correr mais porque se ele me pegar vai ser pior’. E aí o tutor vai cada vez mais aumentar a frequência do comportamento do cão”, explica.

Quando o tutor consegue trabalhar a prevenção do comportamento e o treino legal para o cachorro em determinada situação, não será necessário corrigi-lo futuramente. André ressalta que são diversos os treinos que podem ajudar em situações de pulo, latidos e fuga dos cães, mas não existe um “treinamento milagroso” que funcione para todos os cães, em qualquer situação. Cada treinamento deve se adequar ao que o animal e o tutor estão vivendo.

Os cães naturalmente associam situações e objetos a algo que para eles seja bom ou ruim, e isso pode ajudar muito a seguir as orientações passadas. Em caso de dúvidas, o recomendado é sempre buscar a ajuda de um profissional.