Sobre Grafite, o meu gato

A veterinária Yumi Hirai narra a história de quando descobriu que seu próprio gato estava com um câncer intestinal e sua luta para tentar salvá-lo

O gato Grafite, o xodó de Yumi
Foto: Arquivo pessoal
O gato Grafite, o xodó de Yumi


Interrompemos a programação normal dessa coluna para falar sobre o Grafite, meu gato. Ele está com 13 anos e é a foto dele que ilustra o texto de hoje. Este foi o primeiro bichano que tive e, com toda a certeza do mundo, posso dizer que ele mudou a minha vida.

Eu era administradora de empresas e tinha uma vida confortável: era casada, mas não tinha vontade de ter filhos. “Vamos adotar um animal de estimação? E se fossem gatos, que parecem dar menos trabalho que cães? E se adotássemos dois gatos juntos? Assim, um faz companhia para o outro”, eu dizia. História comum entre gateiros, eu sei. 

Procurando pela internet, logo me deparei com a ONG Adote Um Gatinho, que é a maior e melhor sobre gatos do Brasil. Fui acompanhando todos os bichinhos disponíveis para adoção no site, me emocionando com as suas histórias e admirando cada vez mais o trabalho das duas fundadoras do Adote Um Gatinho, a Susan e a Juliana. Eu queria adotar dois gatos adultos e gostaria que um deles fosse pretinho porque sabia que os gatos pretos sofrem preconceito e são os menos adotados.

Acabei escolhendo o Grafite, que estava em lar temporário com a voluntária Amanda, e o Juninho, que estava em lar temporário com a Susan. Os dois deveriam chegar em casa no mesmo dia, mas como o Juninho ainda estava se recuperando de uma gripe, sua vinda acabou sendo adiada por alguns dias. Então, na manhã de um sábado de 2009, a Amanda e a Gisele vieram me entregar meu Grafite.

Eu poderia utilizar um clichê e dizer que foi paixão à primeira vista, mas o fato é que qualquer pessoa se apaixonaria pelo Grafite. Além de ser lindo, ele é o gato mais bonzinho do mundo. Daqueles que saem da caixinha de transporte animados e logo te dão cabeçadinhas e deitam no seu colo, como se te conhecessem há anos. Um tipo raro. Quando o Juninho chegou em casa alguns dias depois, estava muito assustado e foi se esconder na lavanderia. O Grafite foi atrás dele. E, para minha surpresa, o que o Grafite fez foi se aproximar devagarzinho do Juninho, cheirá-lo e lhe dar umas lambidinhas de boas-vindas. No dia seguinte, os dois estavam dormindo juntinhos.

Meu Grafite foi e continua sendo um paizão para os outros gatos que vieram depois dele. Coube a ele ensinar as boas maneiras para os demais, com relativo sucesso. Mas o Grafite não é só doçura; é também liderança. É o primeiro a me receber na porta e o primeiro a usar a caixinha depois que trocamos a areia. O primeiro a comer. E o Grafite é também inteligência. Aprendeu sozinho a abrir portas e gavetas, para nossa admiração e desespero. Desenvolveu um miado inconfundível para pedir ração às 6h da manhã. Descobriu como roubar a comida dos nossos pratos quando estamos distraídos. E assim roubou também nossos corações.

O Grafite é um gato tão apaixonante, que me inspirou a ser voluntária da ONG Adote Um Gatinho. Retribuir um pouco da felicidade que a ONG me proporcionou ao me entregar meus bichanos e ajudar outros gatinhos passou a ser uma necessidade. Fui voluntária durante 5 anos e, nesse período, vivi experiências incríveis. A Susan e a Juliana se tornaram algumas das minhas melhores amigas. Foi graças ao voluntariado no Adote Um Gatinho que resolvi mudar de carreira. Me formei em medicina veterinária pela USP, fiz residência e atualmente me dedico ao atendimento de felinos numa clínica especializada em São Paulo.

Mesmo lidando diariamente com muitos gatinhos doentes, meu mundo virou de
pernas para o ar há 3 semanas: constatei que o Grafite estava doente. Ele já
vinha dando sinais sutis de que algo estava diferente, um apetite caprichoso em alguns dias, um miado diferente, um jeito mais apegado com a gente e mais arredio com outras pessoas... mas, no último mês, meu filhote perdeu muito peso. Fiz todos os exames e a principal suspeita é que ele tenha linfoma intestinal – leia-se câncer. 

Apesar de já ter tratado vários gatos com linfoma e saber que é preciso ter paciência para avaliar a reposta ao tratamento, a minha ansiedade está lá nas alturas. “O Grafite já está na segunda semana de quimioterapia e ainda não ganhou peso” – eu digo. Meus colegas tentam me trazer de volta à razão - “Yumi, não é que ele  fez duas semanas de quimioterapia; ele fez apenas duas semanas de quimioterapia. É preciso ter calma”. Eu sei que eles estão certos. Sei também que o que estou vivendo se chama “luto antecipatório” – sentimentos como negação, raiva, barganha, depressão e aceitação se alternam a todo instante.

Já perdi dois dos meus gatinhos – o Rocky faleceu em 2018 e o Juninho em 2019. Só quem passou por essa experiência de perder um animal de estimação sabe como ela pode ser devastadora e o Grafite já me deu tanto, mas tanto, que acho que não poderia pedir mais nada a ele. Mas, ainda assim, eu vou pedir: fica mais um tempo comigo, meu filho. Me dá mais uns meses. Mamãe ainda não está preparada para viver sem você.

Sobre Yumi Hirai

Foto: Yumi Hirai
Yumi Hirai

Yumi Hirai é médica veterinária formada pela USP e dedicada ao atendimento de felinos na Clínica Vetmasters em São Paulo. É mãe de dois gatinhos fofos, Grafite e Pitoco. Escreve quinzenalmente sobre as dúvidas que deixam os donos de gatos de cabelo em pé.