Uma calopsita totalmente preservada por taxidermia
Reprodução/SOS Animal
Uma calopsita totalmente preservada por taxidermia

Taxidermia é uma arte científica, geralmente utilizada por museus, para a preservação de espécies de animais, extintas ou não, para estudos e conhecimento de futuras gerações. O hábito não é uma novidade para pessoas comuns, que costumam “empalhar” (termo que já não é utilizado mais) animais encontrados já mortos, ou mesmo caçadores e pescadores.

No entanto, mais recentemente, esse trabalho também passou a ser buscado por tutores que perderam animais de estimação e decidiram optar por manter a lembrança do pet de uma forma diferente – além do tradicional enterro e da cremação .

O médico veterinário  Egon José Fuck  explica que o processo de taxidermia busca preservar as características fenotípicas do animal de estimação que morreu, dando paz de espírito ao tutor em poder vê-lo mesmo após a morte, como uma forma de relembrar os momentos de alegria que estiverem juntos. “Outros buscam preservar a história do animal, como um cavalo campeão, um peixe raro pescado, ou um animal silvestre e exótico, por exemplo”, ressalta.

Egon, que é proprietário de uma clínica que oferece o serviço, conta que ainda são poucos os tutores que optam por preservar cães e gatos pela taxidermia, sendo bem mais comum a cremação. Contudo, nos últimos anos essa procura teve um aumento considerável. “Nos Estados Unidos a busca é maior por esse tipo de serviço, mas acreditamos que no Brasil essa procura deverá aumentar. É uma quebra de paradigma”, afirma.

A procura pelo serviço

De acordo com Egon José, são realizados cerca de oito a dez cães e gatos, anualmente, para a média de 20 a 30 animais silvestres e exóticos. Quando o animal vem a falecer, a primeira orientação dada é que o dono congele o corpo, caso opte pela taxidermia.

Nos últimos dois anos houve um aumento considerável nas procuras “acredito que a pandemia tenha aproximado ainda mais os pets das famílias”.

Para ele, o forte fator emocional ocasiona a maior parte dessas buscas. “Há alguns dias entregamos um papagaio que estava há 42 anos com a família”, exemplifica.

O que a psicologia tem a dizer

Segundo a psicóloga clínica e alquimista  Osmarina Vyel , o importante é a relação afetiva que a pessoa tem em relação ao animal. O sentimento causado pela perda, na qual a ligação afetiva, muitas vezes, chega a ser mais intensa que a relação com familiares. A troca afetiva com um pet é livre de conflitos, rejeições e julgamentos. Essa passividade leva a despertar na pessoa um amor incondicional, em relação ao animal de estimação.

O que pode gerar maior ou menor dor no momento da perda é o tempo de convívio e como cada uma lida com os desligamentos de elos afetivos ao longo da vida. “Manter algum tipo de vínculo depois que o animal parte, depende do quanto cada um elabora a perda. Quase sempre são pessoas com algum tipo de perturbação no aspecto emocional, por isso não conseguem se desligar facilmente. Criar rituais e homenagens ao pet pode ser uma forma de elaborar a quebra do vínculo”, explica a Osmarina.

Ainda segundo ela, a relação que se é estabelecida com o animal de estimação, não está associada à condição do animal, mas sim à percepção humana sobre ele. “A pessoa entende que deve dar o seu melhor sob o ponto de vista humano e, neste ponto, cabem todos os tipos de relação, pois vai depender do equilíbrio afetivo e emocional do tutor”, conta a alquimista.

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A professora de psicologia  Claudia Lucia Menegatti ressalta que estamos vivendo um momento em que os animais são cada vez mais vistos como membros da família, o que especialistas chamam de “famílias multiespécies”. O que leva a pessoa a ter as mesmas dificuldades de fazer o ritual de enterro de filhos humanos.

“Algumas pessoas têm a mesma dificuldade para se despedir dos animais de estimação e tem a ilusão, de que técnicas de taxidermia, por exemplo, que poderia manter vivo de alguma forma. Isso se refere à dificuldade da perda, do luto de alguém que é tão amado e querido naquele ambiente”, explica a professora de psicologia.

Segundo Claudia, quando um tutor decide por preservar o animal de estimação, de alguma forma ele está demonstrando dificuldade em lidar com a perda, desejando ter algum símbolo, para conservar a presença de alguma forma, levando algum tempo a perceber que poderia viver apenas com as lembranças.

Não aceitação da perda ou luto

A alquimista explica que, em casos em que o tutor do animal possua um apego emocional muito forte ao pet e queira mantê-lo presente - mesmo que simbolicamente –, pode ser a não aceitação do luto por questões da vida pessoal e emocional do tutor: “É sempre bem-vindo trabalhar o luto, pois a partir dele a pessoa poderá compreender outras perdas em sua vida. Muitas vezes a presença do pet está encobrindo frustrações e decepções na vida e, quando ele parte, tudo vem à tona e nem sempre isso está associado ao pet propriamente dito”.

Para a psicóloga, o acompanhamento psicológico poderá auxiliar a pessoa a elaborar suas perdas e a compreender que o amor depositado no pet que se foi pertence a ela e o sentimento poderá ser direcionado a outra situação, partindo das curas de suas feridas.

Claudia Lucia ressalta que muitas vezes o apego emocional intenso requer acompanhamento psicológico, por estarmos vivendo períodos de famílias multi-espécies, o que faz com que essa perda seja sentida com muita dor.

“Pode ser esperado ou um luto complicado que é quando a pessoa faz pouco movimento dual do luto, pessoa tem uma parte das duas ações e comportamentos, voltados para perda e outra de restauração e contato com a vida. Movimentos de perdas são contatos com lembranças do animal de estimação, ficar olhando fotografias e viver intensamente a dor que oscila em movimentos orientados para restauração, que está baseado em desenvolver novas atividades, ter momentos de alegria, conseguir realizar atividades de trabalho e lazer”, detalha.

O perfil do tutor

Osmarina considera que o relacionamento com um pet é algo benéfico para a saúde, além de ajudar na percepção de que existem outros tipos de inteligência, além da humana. Ela ressalta que cada vez mais as pessoas estão encontrando refúgio afetivo por meio da relação com animais domésticos, principalmente pela sua leveza.

Os motivos e características das pessoas que adotam um animal de estimação são variados, mas, segundo explica a alquimista, são pessoas que buscam e valorizam elos afetivos, não necessariamente o objetivo seria compensar ou reparar alguma perda afetiva humana.

“Quando existe o apego e humanização de seu pet, pode evidenciar algum tipo de distúrbio na relação afetiva e, quando criança, é usado esse tipo de relação como compensação. Percebe-se que quem tem bichos de estimação são pessoas mais fáceis em relacionar de um modo geral”, conclui.

Menegatti aponta também que pesquisas relacionadas mostram que as pessoas que nutrem sentimentos mais profundos com seus animais, por consequência, vivem mais profundamente o período de luto. “A relação próxima e dificuldade de lidar com o luto, não tem relação com classe social, temos pessoas muito humildes com dificuldades de se desprender do corpo do animal e se despedir adequadamente, tem pessoas que vivem sozinhas e isso pode ser um evento de empecilho do desenvolvimento emocional, algo que acontece com idosos também” completa.


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